Jacques Henri Lartigue: o colecionador de fragmentos de otimismo
Florette, Monte Carlo Beach, 1944.
Esta forma de tentar ver a vida através de um prisma positivo remonta à sua infância. Desde menino, sentia o desejo de guardar na memória suas vivências prazerosas.
Inicialmente, quando olhava para algo que lhe agradava, fechava os olhos. Durante breves segundos, tentava salvar aquelas imagens na sua memória. Por vezes, pedia, também, que o pai fotografasse o que ele gostava. Aos sete anos, ganhou a sua primeira câmera e, desde então, continuara sempre a fotografar, até quando morreu aos noventa e dois anos.
Em sua vida adulta, estudou pintura e considerava-se mais um pintor profissional do que um fotógrafo. O reconhecimento de seu talento como fotógrafo foi tardio, aos 69 anos. Naquela ocasião, 1963, foi realizada a sua primeira grande exposição, realizada no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Suas fotografias têm como marca registrada a exaltação da alegria, do movimento de pessoas e objetos, e da presença da diversão no dia-a-dia dos indivíduos. Têm um frescor que não se esvai, nem mesmo com o transcorrer dos anos. É um olhar, ao mesmo tempo, jovial e sofisticado.
Nana, Bibi et Dani, Hendaye, juillet 1927
É interessante notar que muitos acreditam que as circunstâncias de sua vida foram os únicos fatores determinantes para ele ter adotado um olhar otimista em seu trabalho.
Tendo começado a desenvolver esta Arte tão novo, poderíamos, então, como o fazem alguns, supor que ele apenas manteve a alegria infantil? Poderíamos seguir a lógica segundo a qual uma criança feliz, necessariamente se transforma em um adulto feliz ? Não. Todos nós sabemos que muitas pessoas que tiveram uma infância bastante feliz se tornam adultos insatisfeitos. Além disso, temos de lembrar que a infância não é necessariamente uma fase idílica, em que todas as crianças são felizes. Muitas crianças, devido a razões concretas ou não, não são felizes.
Muitos analistas da obra de Lartigue também reputam esta sua "opção pela felicidade" ao fato de ele ser de uma família da alta burguesia, de não ter passado por graves necessidades financeiras. Assim, seria o típico bon vivant, proveniente da classe alta. Cercado de regalias. Ao seu redor, mulheres bonitas. Bem vestidas. Viagens a lugares sofisticados, e assim por diante…
Mas, espera aí! Não é justamente este tipo de justificativa que frequentemente é dada para explicar por que membros de famílias muito ricas nunca tiveram de se esforçar para fazer nada da vida e, assim, se tornaram seres humanos mimados, mal humorados e arrogantes? Pois é!
Percebemos que a sua fotografia não é meramente uma reprodução imparcial da realidade. Ou apenas resquícios de uma passado de deleite infantil, ou de uma vida adulta economicamente privilegiada.
Ela é, sim, uma forma de atuar no mundo. Uma escolha. No seu caso, uma opção consciente por preservar os bons momentos. Por registrar o lado lúdico e belo da vida.
Movida pelo entusiasmo que lhe era característico, sua personalidade guiou os caminhos que sua Arte percorreu. Sua fotos fazem lembrar um trecho da linda e simples letra da canção "Samba da Benção", de Vinícius de Moraes, :
"É melhor ser alegre que ser triste, Alegria é a melhor coisa que existe..."
Renée. Carretera de Paris a Aix-les-Bains, 1931
Seu interesse estético era amplo e voltava-se não apenas para beleza humana - com especial interesse em fotografar mulheres -, como também para a moda. Fez séries fotográficas de mulheres elegantes, com seus acessórios: chapéus, luvas, estolas colares. Sabia que o figurino é uma forma de ornamentar a vida, de torná-la mais bonita.
Avenue du Bois de Boulogne, 1911
No entanto, não fazia um culto exacerbado da estética perfeita. Seu pendor brincalhão levava-o além da simples exaltação da beleza feminina. Gostava de mostrar suas modelos em situações inusitadas do dia-a-dia, nas quais revelava alguns detalhes da intimidade delas. Contudo, mesmo nestas circunstâncias, suas fotos eram lindas. Poéticas. Até nestas situações, suas modelos pareciam flertar com a câmera.
A primeira mulher de Lartigue, Madeleine Messager, ou Bibi, na lua-de-mel do casal, 1920.
Mary Belewski, 1941.
Outro tema que o fascinava era a captura do movimento. Tirou inúmeros retratos de pessoas se divertindo, principalmente ao ar livre. Em contato com o vento, com a água ... Correndo. Nadando. Saltando. Sempre entusiastas de suas ações. Felizes.
Yvonne, Koko et Bibi. Royan, juillet 1924
Jeannine Lehmann. Royan, 1926
Além disso, interessava-se profundamente por capturar a velocidade dos carros, dos aviões. Era como se tudo que motivasse o ser humano cativasse a sua curiosidade. Os avanços tecnológicos também ganharam a sua atenção. Claro! Afinal de contas, eles podem proporcionar uma vida de maior aventura e conforto ao homem.
Grand Prix of the A.C.F.
Contudo, não era um destes indivíduos que faz apologia a uma vida sempre frenética. Valorizava os momentos de ócio e a interação harmoniosa entre as pessoas. E captava estes momentos de descontração e intimidade com muita delicadeza.
Bibi, Freddy, Margot. Aix-les-Bains, juillet 1928.
Apesar de ter escolhido viver olhando para o lado bom da vida, Lartigue era um homem inteligente que não se negava a ver as tragédias humanas. E nem poderia delas escapar. Nascido na França, em 1894, testemunhou duas grandes guerras mundiais, o surgimento e os últimos estertores do conflito entre o bloco comunista e o capitalista até sua morte em 1986. No âmbito pessoal, perdeu uma filha com meses de vida.
Mesmo diante destas tragédias, escolheu fazer de sua obra um instrumento de otimismo. Alguns o criticam por considerar sua fotografia uma arte alienada, que não denuncia as duras mazelas da vida. Comparam-no a fotógrafos como Robert Capa e Sebastião Salgado, os quais dedicaram seus trabalhos ao relato dos horrores de guerra.
No entanto, o compromisso maior de Lartigue era o de revelar os aspectos positivos da vida. Tinha plena consciência de que os indivíduos passavam por experiências difíceis no seu cotidiano. Acreditava, todavia, que estas não mereciam ser clicadas. Não deveriam ser capturadas pela sua fotografia, pois eram muito dolorosas para serem eternizadas. Recusava-se a perpetuar sentimentos ruins, em fotos boas.
Há que se ressaltar, porém, que ele não era um homem naive, que achava que o mundo era todo "florido e cor de rosa". E, por saber disto, tinha um entusiasmo ainda maior em procurar os momentos alegres, as mulheres bonitas, as situações inesperadas...
Ao assistir a um documentário sobre ele exibido pela BBC (com link reproduzido abaixo), sua filosofia de vida guiada pelo otimismo ficou bem evidente para mim. Fez-me refletir acerca da forte tendência em nossa sociedade em se acreditar que a felicidade é um sentimento fugidio. Lembrei-me, então, de um refrão da canção "A Felicidade", de Tom Jobim, outro clássico de nossa MPB, que diz assim : "Tristeza não tem fim, a felicidade sim".
Foi justamente esta visão pessimista, tão presente nas culturas ocidentais modernas, que Lartigue almejou subverter em sua Arte: por meio de suas fotos, procurou capturar pequenos fragmentos de felicidade, para que eles nunca tivessem fim.