Sons of anarchy: além das motos
A série Sons Of Anarchy apresenta um cenário bastante interessante: um clube de motoqueiros em uma cidade fictícia chamada Charming. Eles vivem de acordo com suas próprias leis e regras, fazendo negócios com gangues, um ambiente de sexo, bebidas e motos. Tráfico de armas, tráfico de drogas, prostituição, corrupção das autoridades também fazem parte da rotina do tão clube.
Os personagens são cativantes e evoluem significativamente em cada temporada. Todos cometem erros no caminho, seja para ajudar alguém ou prejudicar. Eles são tão complexos que, em diversos momentos, os amamos e os odiamos, sentimos pena e raiva, atração e repulsa. E, talvez, seja por isso que nos identificamos tanto com o desenvolvimento dos personagens.
Jax Teller, o protagonista, é filho do falecido John Teller (um dos fundadores do clube). Um belo dia, Jax estava organizando suas coisas e viu um livro escrito pelo próprio pai, uma espécie de diário. Nele, continha detalhes de como o destino do clube foi totalmente desviado e como era difícil a tarefa de conciliar a relação membro do clube e pai de família, por exemplo. Isso foi o suficiente para que Jax lutasse para conseguir o posto de líder, e a partir daí guiar o grupo para negócios legais, um clube menos violento.
Logicamente, esse percurso não foi fácil e podemos perceber como Jax evolui como homem, líder, marido, pai e filho. E, a partir desse breve resumo da história do anti-herói, já somos capazes de nos perguntar “como é penoso levar um fardo?” “como o poder vicia e corrompe o ser humano?”.
O mais curioso é que o próprio Jax, após assumir a liderança do clube, começa a escrever um manuscrito para seus filhos. Alertando dos perigos de ser um “fora da lei”, de como o poder transforma a mente humana, de como não seguir esse fado. Em alguns momentos, ele diz nas escrituras que não é capaz de se reconhecer ao olhar no espelho sua própria imagem, e que sente remorso por todos seus delitos.
Outro personagem interessante é a Gemma, mãe do protagonista. Muitos fãs da série amam a personagem, e outros a odeiam. Porém, é impossível discordar que ela compõe uma das multifacetações mais intrigantes: esposa apaixonada, viúva ousada, mãe superprotetora, avó assassina. Uma mulher inteligente, muito poderosa e que faz de tudo para defender a família e o clube. No decorrer das temporadas, ela nos inspirou e também nos deixou frustrados.
Resumidamente, não é apenas uma série sobre motoqueiros e como eles criam suas políticas internas e externas. Um dos focos mais expressivos seriam a personalidade humana, suas qualidades e suas contradições.
A série nos revela nossa própria realidade, nosso dia a dia e tudo aquilo que pensamos. Todos nós queremos ser livres. Todos nós mentimos. Todos nós temos problemas familiares. Todos nós aprendemos com nossos equívocos. Todos nós buscamos compreender o mundo. Todos nós fazemos escolhas...
Escolhas, decisões, consequências...
Talvez a frase que melhor representa a série seria “ser ou não ser”.
Ser livre ou recluso?
Inclusive a liberdade é um tema abordado na série através de metáforas como as motos e as estradas, por exemplo. Quando eles estão em alta velocidade, há um sentimento de autonomia, de se sentir parte da estrada que, simbolicamente, leva a qualquer lugar.
Eles, de forma geral, enxergam o clube como uma fonte de livramento das regras sociais, dos governos tiranos, etc. No entanto, surgem no clube, de maneira natural e fortuita, princípios e mandamentos que os norteiam. Há presidente, vice-presidente, sede, relações comerciais com outros grupos, preocupação com a segurança, etc.
Enfim, eis algumas das mais variadas perguntas: Ser um criminoso ou inocente? Ser mentiroso ou honesto? Ser confiável ou um traidor? Ajudar uma pessoa ou deixa-la desamparada? Ser amigo ou rival? Ser uma pessoa amável ou odiosa?
Embora não concordamos com as atitudes irresponsáveis e descomedidas de muitos personagens, podemos entender as motivações e nos colocarmos na mesma situação para ponderar “será que eu faria isso ou agiria de outro modo?”.
É uma tarefa árdua deliberar os comportamentos dos personagens. Na verdade, quando fazemos isso é como se estivéssemos olhando para um reflexo. E aí estaremos nos condenando e percebendo como somos seres multiformes, questionáveis.
Que falhamos, sobrevivemos, sofremos, compartilhamos nossas alegrias, sorrimos e choramos. Que tentamos viver em uma sociedade opressora, que desejamos mudar o mundo para melhor. Que perdemos o controle, que nos arrependemos e enfrentamos nossos próprios demônios. Que toda ação gera uma reação.
Que nossos defeitos podem nos encaminhar para a superação, a resiliência, ao arrependimento, ao desejo de fazer diferente, ao perdão.
Assistindo Sons of Anarchy e refletindo sobre as indagações presentes na série e nos personagens, podemos ter a certeza de que não somos perfeitos e jamais seremos.