A genialidade linguística nas canções de Adoniran Barbosa
Adoniran Barbosa (1910-1982) foi um importante cantor, compositor, humorista e ator brasileiro. É considerado o patrono do samba paulista, onde as letras de suas canções deixaram peculiaridades que caracterizam sua genialidade linguística e remete-nos à percepção do linguajar da boemia noturna, ou melhor, a linguagem popular paulistana.
A linguagem da poesia de Adoniran é caracterizada por um vocabulário com muita informalidade, mas não é uma informalidade qualquer, é uma variação linguística sociocultural marcada pelo regionalismo, linguajar popular e pelas gírias. Muitas vezes sem nenhum prestígio social, porém é este modo errôneo, inculto e popular de ser que configurou a maneira de estar... certa e agradar a todos! Foi com essa característica que Adoniran Barbosa manifestou sua arte, quebrando paradigmas e preconceitos linguísticos.
Em suas composições Barbosa não preocupava-se com a ausência de concordância verbal (As mariposa/As mariposas), com a alternância das palavras (muié/mulher), entre outros traços linguísticos, pois a ironia de suas letras é estar extremamente próximo ao jeito de falar dos excluídos socialmente, os subtraídos pela sociedade, que concretizaram um padrão informal com a simplificação da norma culta da língua portuguesa.
"As mariposa"
As mariposa quando chega o frio
Fica dando volta em volta da lâmpida pra se esquentar
Elas roda, roda, roda e dispois se senta
Em cima do prato da lâmpida pra descansar
Eu sou a lâmpida
E as muié é as mariposa
Que fica dando volta em volta de mim
Toda noite só pra me beijar
O mesmo acontece com "Samba do Arnesto", com bastante dinamismo que a tríade linguística permite Adoniran escreveu:
O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás
Nós fumos não encontremos ninguém
Nós voltermos com uma baita de uma reiva
Da outra vez nós num vai mais
No outro dia encontremo com o Arnesto
Que pediu desculpas mais nós não aceitemos
Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa
Mas você devia ter ponhado um recado na porta
Um recado assim ói: "Ói, turma, num deu pra esperá
Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância,
Assinado em cruz porque não sei escrever"
Outro exemplo rico no modo de falar brasileiro está na canção "A luz da light":
Lá no morro quando a luz da light pífa
A gente apela pra vela, que alumeia também
(quando tem)
Se não tem não faz mal
A gente samba no escuro
Que é muito mais legal (e é natural)
Quando isso acontece
Há um grito de alegria
A torcida é grande pra luz voltar
Só no outro dia
Mas o dono da casa
Estranhando a demora e achando impossível
Desconfia logo que alguém passou a mão no fuzíl
No relógio da luz
"Um samba no Bexiga"
Domingo nós fumo num samba no bexiga
Na rua major, na casa do nicola
A mesa não deu conta
Saiu uma baita duma briga
Era só pizza que avuava junto com as braxola
Nóis era estranho no lugar
E não quisemo se meter
Não fumos lá pra briga, nós fumo lá pra come
Na hora "h" se enfiemo de baixo da mesa
Fiquemo ali, que beleza vendo a nicola briga
Dali a pouco escutemo a patrulha chegá
E o sargento oliveira falá
Num tem importância
Foi chamada as ambulância
Carma pessoal,
A situação aqui está muito cínica
Os mais pior vai pras clínica