O buraco que você deixou
Quando pensamos em fotografia, automaticamente imaginamos momentos felizes, pessoas sorrindo para uma câmera, algo bonito e até poético em alguns casos. Não é o que evidencia o trabalho de Gustavo Germano, que após perder o irmão de apenas 18 anos pela ditadura argentina, constrói um trabalho triste e ao mesmo tempo intenso, reconstituindo fotografias capturadas antes das guerras em países como Brasil e na Argentina, deixando não somente clara a falta dos familiares desaparecidos e mortos com imagens do presente, mas uma reflexão sobre tudo o que se passou.
Cada par de fotos representa dois momentos: um, retratando o passado, e outro, mostrando o presente, onde se percebe a falta de pessoas que foram exiladas, tiradas da vida de quem conheciam.
Um dos acontecimentos que gerou essas perdas foi a Operação Condor (ou Carcará, no Brasil), uma parceria entre vários regimes militares da América do Sul — Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, com a companhia dos Estados Unidos (que nega participação), nas décadas de 1970 e 1980 e foi criada com o objetivo de repressão a opositores das ditaduras, eliminação de líderes de esquerda e para reagir à OLAS, Organização Latino-Americana de Solidariedade.
O desaparecimento ou morte de pessoas consideradas por esses regimes como " subversivas da ordem estabelecida, contrárias ao pensamento oposto política ou ideológica, ou não coerentes com as ditaduras militares na região” era feito de modo que os cidadãos investigados e condenados perdessem seus direitos humanos. Ao todo, somam-se 30.000 desaparecidos e assassinados durante a ditadura militar argentina.
O fotógrafo também sofreu perdas. Não só teve o irmão desaparecido, mas perdeu outros familiares e também amigos, além disso, Germano passou 30 anos longe de seu país, radicado.
Ao ver as fotografias de “Ausências”, o sentimento de falta não nos abandona, e aumenta a percepção de que o tempo não diminui o vazio deixado por alguém.
Cada fotografia deixa transparecer as emoções de quem ficou, é perceptível como seus sorrisos lhes faltam, como o buraco deixado pela ausência pesa. As fotos mostram momentos simples, encontros alegres, abalados por onde antes existia alguém.
Setenta anos são ligados por momentos tão diferentes, e é isso que diz Germano: “Duas fotografias são os dois pontos, dois momentos congelados no tempo que determinam a linha que os une, reconstruir a história, revelar e denunciar a violência do exílio. Dois pontos, dois pontos, dois pontos juntos em um gesto de memória.”
Ao longo dos anos, vão se estudando as causas de acontecimentos importantes, como guerras, e o que fica em segundo plano é o modo como eventos tão fatídicos interferem drasticamente na vida de tantas pessoas, que são obrigadas a encarar a falta daqueles que se foram e encontrar forças para seguir em frente. A fotografia de Germano traz uma perspectiva diferente. Nela, podemos observar o que a guerra causou na parte mais íntima, onde pessoas perderam filhos, amigos, irmãos, perderam partes que não voltam e deixam buracos que não se fecham.
Não somente chocante ou triste, “Ausências” traz uma reflexão acerca dos resultados desses conflitos.
No mesmo foco, o artista tem o projeto “Distancias” onde não são apresentadas as ausências de outras pessoas, mas consiste na mesma percepção: épocas tão distantes ligadas por dois pontos, entrelaçados a lesões causadas por governos.
Nestes projetos, conseguimos observar não somente como o tempo modifica as pessoas, mas o que o autor principalmente nos permite refletir é sobre o que aconteceu na vida de pessoas exiladas, de pessoas que conviveram com a repressão. Conseguimos observar não somente as duas imagens, mas refletir sobre tudo o que aconteceu no intervalo em que foram registradas.
E se você quiser saber um pouco mais do trabalho deste artista: http://www.gustavogermano.com/