DOMÍNIO DO DIREITO – CAPÍTULO 3 – PARTE 2: JUSTIÇA RESTAURATIVA, A POSSBILIDADE DE TRANSFORMAR VENENO EM ANTÍDOTO
Escultura "A Justiça", de Alfredo Ceschiatti, em frente ao Supremo Tribunal Federal, em Brasília, no Brasil. "A Justiça não é cega, ela é míope".
- Luiz Roberto Meier
CONCEITO
Para Aristóteles “Justiça é a disposição da alma graças à qual as pessoas se dispõem a fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é justo”. (Aristóteles. 1992, pag. 1129 a-p. 91). Mas, o que é a Justiça Restaurativa?
Trata-se de um modelo relativamente recente e emergente de fazer justiça adotado em nações como Nova Zelândia, Austrália e EUA, baseado em práticas aborígenes e indígenas. No universo jurídico seu conceito está em estágio de construção internacional. Porém a Justiça Restaurativa é validada e recomendada pela ONU e a União Europeia para todos os países. Em seu artigo “Justiça Restaurativa é possível no Brasil?”, Renato Sócrates Gomes Pinto, destaca uma bússola:
Círculo restaurativo. “Não existe um caminho para a paz. A paz é o caminho.” Mahatma Gandhi
"Os conceitos enunciados nos Princípios Básicos sobre Justiça Restaurativa, enunciados na Resolução do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, de 13 de Agosto de 2002, são os seguintes:
Programa Restaurativo – se entende qualquer programa que utilize processos restaurativos voltados para resultados restaurativos.
Processo Restaurativo – significa que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, participam coletiva e ativamente na resolução dos problemas causados pelo crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. O processo restaurativo abrange mediação, conciliação, audiências e círculos de sentença.
Resultado Restaurativo – significa um acordo alcançado devido a um processo restaurativo, incluindo responsabilidades e programas, tais como reparação, restituição, prestação de serviços comunitários, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e logrando a reintegração da vítima e do infrator."
“Eu faço canções de amor porque há muita violência dentro de mim” John Lennon
Gomes Pinto nos esclarece que Paul Maccold e Ted Wachtel propõem uma teoria conceitual de Justiça que parte de três questões-chave: “Quem foi prejudicado? Quais as suas necessidades? Como atender a essas necessidades?”
Esses autores sustentam que: "crimes causam danos a pessoas e relacionamentos, e que a justiça restaurativa não é feita porque é merecida e sim porque é necessária, através de um processo cooperativo que envolve todas as partes interessadas principais na determinação da melhor solução para reparar o dano causado pela transgressão – a justiça restaurativa é um processo colaborativo que envolve aqueles afetados mais diretamente por um crime, chamados de “partes interessadas principais”, para determinar qual a melhor forma de reparar o dano causado pela transgressão" (McCold, Paul e Wachtel, 2003).
Gomes Pinto enfatiza que essa teoria conceitual da Justiça Restaurativa objetiva mais reduzir o impacto dos crimes sobre os cidadãos do que reduzir a criminalidade. Assim, em suma, a Justiça Restaurativa é uma abordagem alternativa de dirimir conflitos aplicada ao Direito Penal cujo foco múltiplo contempla: a restauração da harmonia social dilacerada pelo crime, a reparação do dano causado à vítima, a responsabilização do infrator e a reintegração de ambos (vítima e infrator) ao seio da sociedade por intermédio de um facilitador imparcial (em geral, um jurista ou psicólogo) que dirige o encontro e o diálogo restaurativos e incentiva a participação ativa, consciente e respeitosa dos envolvidos evitando retaliações ou revitimizações. Enfim, é uma justiça da reparação das relações rompidas.
Acima: Homem Vitruviano de Leonardo Da Vinci, símbolo do renascimento
ORIGEM
No site Direito.Net encontramos a seguinte informação sobre a origem do termo Justiça Restaurativa:
"A denominação justiça restaurativa é atribuída a Albert Eglash, que, em 1977, escreveu um artigo intitulado Beyond Restitution: Creative Restitution, publicado numa obra por Joe Hudson e Burt Gallaway, denominada “Restitution in Criminal Justice”. Eglash sustentou, no artigo, que havia três respostas ao crime – a retributiva, baseada na punição; a distributiva, focada na reeducação; e a restaurativa, cujo fundamento seria a reparação."
Embora oficialmente alcunhada em 1977, a história da Justiça Restaurativa começa sua escalada nos Estados Unidos (como sempre) em 1970 sob a forma de mediação entre réu e vítima. Modelo este que depois foi importado por outros países, com destaque para a experiência da Nova Zelândia. Também Chile, Argentina e Colômbia dão os primeiros passos em direção a Justiça Restaurativa. No Brasil, registram-se experiências isoladas como, por exemplo, na 3ª Vara do Juizado da Infância de Porto Alegre, iniciada em 2002, e, em relevo para “Justiça Restaurativa e Comunitária” em São Caetano do Sul (SP) iniciada em 2008 e em plena expansão.
Livro sobre Justiça Restaurativa. O papai recomenda de olhos fechados.
PRINCÍPIOS
A Justiça Restaurativa partilha princípios derivados do Direito Penal que orientam sua conduta, quais sejam: humanidade, intervenção mínima, adequação social, proporcionalidade e razoabilidade. E também possui princípios próprios: voluntariedade, consensualidade, confidencialidade, celeridade, urbanidade, adaptabilidade e imparcialidade.
No site da “Mediare, diálogos e processos decisórios” lemos as seguintes informações:
"A vítima: os estudos relativos aos quadros pós-traumáticos que podem acometer as vítimas demonstram que os cuidados a elas necessários transcendem, em muito, a aplicação de penalidade ao ofensor. Contenção emocional, um espaço protegido para expressar medos, temores, mal-estar, sofrimento e raiva, assim como sentimentos e perguntas relativos ao ofensor têm-se caracterizado como parte dos cuidados reparadores às vítimas.
O ofensor: o movimento circular e recursivo de estarmos sujeito e objeto nos processos sociais tem-nos ajudado a visualizar que os ofensores dos atos presentes são, na maioria das vezes, as vítimas dos atos do passado ou, são, até mesmo, um e outro simultaneamente no presente. A identificação e a análise dos processos biopsicossociais que contribuem para essa mútua interação e influência exigem, de acordo com o marco restaurativo, que intervenções outras, além da punitiva, possam contemplar esses indivíduos e, consequentemente, a sociedade como um todo.
A comunidade: as micro-comunidades que acolhem e circundam vítima e ofensor, singulares ou múltiplos, ganham, desde o ponto de vista restaurativo, o status de co-partícipes e co-responsáveis no processo de construção do ato penal e no processo de restauração da vítima, do ofensor, da própria micro comunidade e da sociedade como um todo."
Programa Notícias do Campus Especial sobre Justiça Restaurativa, com Lode Walgrave e Belinda Hopkins, além de outros especialistas no assunto.
APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA
Com grande clareza Eduardo Resende Melo explica que a Justiça Restaurativa atua em duas frentes: com casos que ainda não chegaram a Justiça visando evitar que se convertam em processos judiciais ou encaminhamentos por derivações da Justiça de processos que chegam a Justiça e são encaminhados a centros comunitários, ou funcionários da Justiça que realizem essa prática resolvendo o conflito antes de ser instaurado o processo judicial com a denúncia ou representação no caso do procedimento na vara de infância ou, por fim, como uma adaptação do processo de conhecimento sendo a sentença substituída pelo processo restaurativo.
Sobre o processo restaurativo Gomes Pinto cientifica:
"Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, sem o peso e o ritual solene da arquitetura do cenário judiciário, intervindo um ou mais mediadores ou facilitadores, e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação e transação para se alcançar o resultado restaurativo, ou seja, um acordo objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas das partes e se lograr a reintegração social da vítima e do infrator."
O jurista Sério Garcia enfatiza que esse modelo poderia ser resumido em 3 “R”: responsabilidade, restauração e reintegração. A Justiça Restaurativa é a possibilidade de transformar veneno em antídoto, conflito em conciliação, Direito Penal em Justiça Restaurativa.
(Continua...)
Para ler também: Domínio do Direito - Capítulo I: A evolução históricas das penas
Domínio do Direito - Capítulo II: O desenvolvimento dos direitos fundamentais no Brasil
Domínio do Direito - Capítulo III - Parte I: Justiça Restaurativa, o futuro do Direito Penal