o aquecimento global e o saque do árctico
Fotografia de Fabiano Busdraghi
O aquecimento global está a derreter as neves eternas do Árctico tornando-o mais acessível aos predadores da sua imensa e até agora intocada riqueza: petróleo e gás natural. A calote polar árctica está 25% menor do que há 30 anos; perde anualmente 60 mil km2 e, a um mês do fim do degelo, os satélites registavam já uma área gelada 10% menor do que o seu recorde mínimo atingido em Setembro de 2005.
Este ano, pela primeira vez desde que há memória, a Passagem do Noroeste esteve livre de gelo desde o Pacífico até ao Atlântico, e as estimativas mais realistas apontam para um Oceano Árctico livre de gelos no Verão de 2040. O ecossistema árctico, que já começa a sofrer com o degelo, ameaça desmoronar-se, transfigurar o pólo e empurrar aceleradamente algumas espécies animais para os caminhos da extinção.
Fotografias de Fabiano Busdraghi
Mas se por um lado o degelo árctico vai conduzir o planeta a uma catástrofe de proporções épicas, por outro a incessante procura de fontes de energia, que coloca o Árctico na primeiríssima linha da exploração de recursos energéticos, leitmotiv das potências limítrofes e gerador de um conflito de interesses entre elas de dimensão grandiosa, vai provavelmente exaurir o que restar do Árctico.
A questão de determinar a quem pertencem os recursos do Árctico, que somente em petróleo pode representar cerca de 25% das reservas mundiais, divide países vizinhos e passa pelas cláusulas da Convenção da ONU para a Lei do Mar (UNCLOS) e pela estranha forma da crista de Lomonosov, peça chave para o sustentáculo das suas diversas pretensões territoriais: cada estado pretende provar que a parte da crista que lhes toca é uma extensão da plataforma continental e não uma formação separada da mesma e desta forma expandir para as 370 milhas as suas "zonas marinhas de direitos económicos exclusivos".
Estados Unidos e Canadá disputam a Passagem do Noroeste; Noruega e Rússia fazem o mesmo pelo Mar de Barents e Canadá e Dinamarca competem pelos direitos de uma pequena ilha nas costas da Gronelândia.
Os processos de apropriação das riquezas do Ártico são variáveis e seguem a velocidades distintas: a Noruega lidera, pois iniciou este ano a primeira exploração comercial de gás natural no seu campo de Snohvi; a Rússia, que cravou uma bandeira de titânio a 4200 metros de profundidade bem em cima da crista de Lomonosov, num arremedo quinhentista de reclamação e posse de território, segue-a de perto, pois prepara-se para explorar comercialmente petróleo e gás natural em Shtokman, no mar de Barents, cujas reservas petrolíferas são também disputadas pelos noruegueses; e a Dinamarca, mais atrasada, financiou uma expedição ao norte da Gronelândia para determinar os limites da sua reivindicação sobre a plataforma continental. O Canadá, que nunca viu com bons olhos a tentativa liderada pelos EUA em declarar como "Estreito Internacional" a Passagem do Noroeste, que sempre foi considerada como "território canadiano", e a sua consequente abertura ao tráfego comercial, pois encurta em cerca de 6 mil Km a distância entre a Ásia e a Europa, receia as consequências ambientais que poderão advir do uso desregrado das suas águas, mas não se coíbe de se considerar proprietário da maior parte do Ártico e das suas riquezas. Os EUA, que ainda não ratificaram o UNCLOS, preparam-se para o fazer como forma de contextualizar as suas pretensões territoriais na região do Alasca e assegurar o seu quinhão da pilhagem.
É muito provável que todas estas movimentações sejam dirimidas, em ultima instância, num wrestling pouco cordato, sob os auspícios do Tribunal Internacional de Justiça de Haia, mas deste espectáculo degradante o que vai ficar para a posteridade é, com toda a certeza, mais um acto de ganância sobre o Planeta, orquestrado pelo grande capital e convenientemente sancionado pela comunidade internacional, que vai hipotecar consideravelmente mais o já periclitante futuro da Humanidade.
Vergonha e abominação!