O Dinheiro é uma Tecnologia
Por ser Natal, penso muito em dinheiro. Não é só o subsídio que chegou e já se foi, são os presentes e o seu custo galopante e aquele momento perverso em que se acha poder medir uma relação (familiar, de amizade, profissional) pelo dinheiro investido nos presentes. Os presentes são como o vinho. Geralmente os mais caros são melhores, mas isso nem sempre é verdade. E o que conta é a intenção, no vinho também.
As introduções natalícias ficam bem nesta época, mas o que eu queria mesmo dizer é que me pareceu noutro dia que o dinheiro era só mais uma forma de tecnologia, particularmente sofisticada, por vezes obscena e evidente, outras subtil e de forma quase imperceptível. Vale a pena dizer que tenho algumas opiniões sobre o que define ou não uma tecnologia.
Eu não acredito que a tecnologia seja um instrumento, que esteja ao serviço do homem que “decide” o que fazer com ela. Não acredito na inocência da tecnologia e, mais ainda, não acredito numa visão puramente mecanicista da tecnologia, isto é que a tecnologia “serve” para alguma coisa, que encerra uma causa e consequência perfeitamente racional e definida. É a velha conversa sobre as armas: as armas não matam, as pessoas é que matam. O que é que isso interessa? Por essa ordem de ideias os martelos não martelam e os carros não atropelam. É só uma questão de gramática.
É mais fácil dizer isto no princípio do séc. XXI do que digamos na Idade Média ou no séc. XVII, mas hoje a tecnologia é mais uma segunda natureza: precisamos dela como precisamos de nos alimentar e de reproduzir, mas temos com ela uma relação complexa de necessidade e liberdade. A civilização (ocidental pelo menos) construiu-se em parte sobre a nossa defesa contra a natureza e a sua violência (roupa, casas, leis, etc.) fosse ela exterior ou interior ao ser humano. Hoje sabemos que em princípio devemos vestir roupa para não ter frio e tentar não matar outros seres humanos.
A tecnologia e a sua preponderância crescente na nossa sociedade parecem ser só a concretização do projecto moderno da explicação do natural, que seria domado, resolvido, contrariado, pela omnipresença da razão, da ciência, da tecnologia. E contudo, olhem em volta, hoje: a tecnologia mobilizou por completo a nossa sociedade e o nosso domínio sobre ela é, nos melhores momentos, parcial e difícil. E como resolvemos as nossas dificuldades com a tecnologia? Inventando mais tecnologia.
Daqui a podermos olhar a coisa de outra maneira e dizer que na verdade a tecnologia só nos usa para se reproduzir, vai um passo curto. Um exemplo apenas: a Web cresce alimentada por programadores. E está cada vez mais complexa, indomável e inteligente.
E o dinheiro? Bom, como este post já vai longo, experimentem só relê-lo trocando a palavra “tecnologia” por “dinheiro” e vão perceber o que quero dizer.