"The lovers" ou "Os amantes borboleta"
O filme “The Lovers” do realizador de Hong Kong Tsui Hark (1994) conta a história de dois adolescentes que se apaixonam num colégio interno na China. Os “amantes borboleta” é uma história popular considerada como o Romeu e Julieta chinês, uma lenda que existe em várias versões, isto é, o seu enredo já foi usado em ópera, concertos e filmes e é uma narrativa poderosa que passa de romance ligeiro a melodrama fantástico. Os primeiros escritos sobre o tema dos “amantes borboleta” remontam, na China, ao século IX.
A versão cinematográfica de Tsui Hark conta como uma rapariga desajeitada e pouco graciosa é enviada pela mãe para um colégio de rapazes. Aí, Chuk Ying-Toi (Charlie Young) mascara-se de homem e conhece Leung Shan-Pak (Nicky Wu) de quem se torna amiga. A amizade entre os dois depressa se transforma numa paixão. Paixão proibida pois trata-se de uma relação aparentemente entre dois homens e Leung Shan-Pak não sabe que Chuk Ying-Toi é uma mulher. Os dois amantes acabam por consumar a sua relação mas a diferença de classes sociais separa-os e torna o seu desejo proibido. A impossibilidade de união pelo casamento, uma proibição da família de Chuk Ying-Toi que obriga os amantes a renunciar ao seu amor, faz com que ambos, numa encenação sobrenatural, morram para se transformarem em borboletas, as quais só têm 24 horas de vida. A terra engole Chuk Ying-Toi que assim se junta ao amante morto.
Um tema recorrente da ópera chinesa e já retratado em versões anteriores da história, a androginia, é no filme de Tsui Hark reintroduzida através da inserção de uma mulher no papel de Chuk Ying-Toi. Para o realizador de Hong Kong, nascido no Vietname, as discussões que debatiam o lado homossexual da lenda são ultrapassadas pela ideia do travesti, onde a actriz se mascara para brincar com a noção de género. Este filme acaba por ser um tratado feminista onde o realizador está mais preocupado em afirmar “uma mulher moderna", com envolvimento político, desembaraçada dos complexos da jovem rapariga de pele branca e mãos doces. Tsui Hark parece menos fascinado/seduzido pela ambiguidade sexual do que pela mulher emancipada, o que no contexto de uma ficção feudal como “The Lovers” passa logicamente por uma história de travestis. À interpretação gay da história dos “amantes borboleta” Tsui Hark prefere uma aproximação sociológica que insiste na condição social inferior de Shan-Pak e acima de tudo na opressão sexista imposta a Ying-Toi, uma jovem mulher demasiado avançada para o seu tempo” (Léonard Haddad, brochura que acompanha o lançamento francês do filme em DVD, 2006).
Na China tradicional a mulher, por via da filosofia de Confúcio, era considerada um ser inferior ao homem e vivia para o servir. A mãe de Chuk Ying-Toi também tinha tido o privilégio de usufruir de uma educação masculina e por isso envia a filha para o mesmo colégio onde estudou e onde também se apaixonou. Ao contrário da filha, que parece não querer renunciar ao seu amor, a mãe, também vítima de uma paixão, adaptou-se às imposições sociais e contraiu um matrimónio indesejado. Se no início o filme começa como uma brincadeira de adolescentes no final é um pesadelo trágico de proporções épicas. Uma lenda maravilhosa filmada por um dos maiores ícones da realização da escola de Hong Kong.