o mundo mágico de Jan Kounen
Fui recentemente introduzida à obra de Jan Kounen, holandês de nascença que tem desenvolvido trabalho em França, pais onde estudou animação completando o diploma em Arts Décoratifs (E.P.I.A.R.) em Nice em1988. Para além dos seus documentários, Jan Kounen realiza frequentemente spots publicitários, vídeos musicais e já assinou alguns filmes para televisão. Não posso deixar de assinalar a minha enorme resistência quando percebi que os documentários se dedicavam à análise de aspectos relacionados com o misticismo e que tratavam de experiências limite no sentido espiritualista. Foi, no entanto, com agrado que acabei por apreciar conhecer o universo destes projectos documentais precisamente porque o autor acaba por fazer um trabalho etnográfico algo transparente e pouco manipulador no sentido de fornecer receitas. Jan Kounen coloca, nos dois trabalhos que vi, “Darshan” e “Other Worlds” questões e a partir destas vai à procura de respostas ou de novas formas de colocar essas mesmas perguntas entrevistando pessoas e documentando lugares.
Em “Darshan” (2006), seleccionado oficialmente para o festival de Cannes, conta-se a história de Amma, considerada na Índia como uma santa, deusa-mãe que celebrou o seu 50ª aniversário em 2003 abraçando indiscriminadamente milhares de pessoas. Em Outubro de 2002 recebeu do mundo ocidental o "Gandhi-King prize for non-violence" pelas suas acções beneméritas que conseguiram já financiar inúmeras iniciativas na área da criação de casas para mulheres, estruturas médicas e ainda subsidiar o Amrita Institute of Medical Science and Research Hospital (AIMS), considerado um dos melhores hospitais indianos. O programa de financiamento destes projectos é gerado por doações provenientes das acções de culto presenciadas por multidões ávidas por abraçar Amma. O filme causa alguma estranheza, pelo menos para a minha mente céptica em relação a algumas experiências espiritualistas, e é simultaneamente um documentário sobre alguns acontecimentos relacionados com o culto religioso e uma desmontagem da personalidade de Amma. Em vários momentos me perguntei como era possível não achar as parcas frases da senhora algo tontas e ao mesmo tempo não pude deixar de apreciar a capacidade que uma mulher tão humilde teve para mudar de facto o mundo dos seus conterrâneos. Sem receitas nem fórmulas, à deriva pela terra a distribuir abraços e beijos… dá no mínimo que pensar.
O meu percurso de descoberta do universo de Jan Kounen e das suas pesquisas pelas tradições ancestrais prosseguiu através do visionamento de “Other Worlds, Ayahuasca Shipibo Science” (2007) sobre o shamanismo e os índios Shipibo Conibo da Amazónia peruana. O documentário investiga as experiências de transe depois dos protagonistas da cerimónia shamânica beberem a mistura de plantas Ayahuasca e ouvirem os cânticos que acompanham e dirigem a cerimónia. No DVD o que achei mais interessante, tenho que confessar, nem foi o documentário, cujo cariz por vezes psicadélico me desagradou um bocado, mas a colecção de entrevistas a especialistas variados na área da antropologia, biologia molecular, psiquiatria, filosofia, botânica, artistas como Moebius e outros. Um conjunto vasto de depoimentos de alguns interessados na investigação mística como parte dos seus estudos de compreensão da natureza da realidade.
Alguns trabalhos recentes efectuados na Finlândia e nos Estados Unidos comprovam, segundo alguns dos investigadores entrevistados, que a ingestão da Ayahuasca não tem consequências fisiológicas nocivas e que pode contribuir para a produção de uma substância como a serotonina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e de bem-estar. Algumas entrevistas são de facto surpreendentes pela forma como propõem um olhar menos dogmático sobre o mundo por via do cruzamento disciplinar, ou seja, da possibilidade de diálogo entre a ciência e a cultura mítica. A interpretação de alguns fenómenos naturais através do cruzamento de diferentes saberes é assim um processo estimulado pelo diálogo e pela reflexão à volta das diferentes perspectivas. Neste sentido é toda uma lição de transdisciplinaridade que ali está representada.
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