Revolutionary Road - o desespero do sonho americano
Ler um livro e ver um filme é conhecer a mesma estória a duas velocidades, a dois tempos, como duas faces da mesma moeda que se complementam, juntando a arte do detalhe ao poder visual. "Revolutionary Road" é o retrato crítico de uma América suburbana visto deste prisma, e com uma actualidade surpreendente (ainda que seja sempre um cliché dizê-lo). O livro, escrito por Richard Iates em 1961, foi retomado e levado para o grande ecrã em 2008 por Sam Mendes, realizador consagrado com "Beleza Americana".
Apesar do que possa transparecer, o nome do livro não é mais do que uma ironia provocante: Revolutionary Road é o nome da estrada que leva os protagonistas para um abismo em espiral de monotonia e surdez. A vida que Frank Wheeler (Leonardo Di Caprio) e April Wheeler (Kate Winslet) levam é tudo menos revolucionária. Depois de uma juventude inquieta em que o espírito crítico agudo e o sarcasmo predominaram, este casal muda-se para os subúrbios e leva uma vida sem surpresas com os dois filhos.
Estamos em 1955, no estado de Connecticut, Estados Unidos. E o que acontece numa época conservadora pré-anos 60, quando as esposas são condenadas à lida doméstica, como se as suas vidas terminassem no momento em que têm um filho? O que acontece aos homens aborrecidos que já não vêem nas suas mulheres o futuro que esperavam? O que acontece quando os sonhos e os ideais da juventude começam a fugir repentinamente, sendo substituidos pelo vazio?
As discussões acabam por ocupar a rotina de Frank e April, num egoísmo que os impede de ver tudo o que os rodeia. Será pretensiosismo ou desapego aquilo que os afasta do mundo? Eles são uma consequência da Segunda Guerra Mundial, vivem o sonho americano por imposição e declaram-se alheios ao mundo exterior como mecanismo de defesa. Frank apanha o comboio todos os dias para trabalhar 10 horas num escritório que odeia. April é a dona-de-casa sem vocação, aprisionada na boa aparência dos subúrbios e na convivência com vizinhos que despreza.
Dentro deste caos de hostilidade mútua, os Wheleers encontram um plano para salvar o seu casamento (e as suas vidas): decidem deixar tudo para trás e ir viver em Paris. Querem vender a casa, o carro e tirar os filhos da escola. April trabalharia para uma agência americana na França, e Frank teria tempo para se descobrir, ficando em casa com os filhos. Entre as arrumações para a viagem, as indecisões e as euforias do futuro que se avizinha, o delírio constante apenas adia os verdadeiros problemas, e Frank e April acabam por se afastar mais do que aproximar. O casamento está à beira da ruína.
Nesta reprodução do sonho americano falhado, apenas John Givings, um homem declarado mentalmente incapaz, consegue ver o desespero desta vida nos subúrbios. "Muitas pessoas conseguem ver o vazio, mas é preciso coragem para ver a falta de esperança", diz. Curiosamente, é também ele o único a apontar as indecisões do casal e a ver o vazio irremediável em que eles estão enclausurados.
Livro e filme completam-se ao construir e reconstruir o desespero de dois jovens adultos. Finalista do National Book Award em 1962, o romance de Iates é mais aberto a interpretações, deixando-nos mergulhar na mente de Frank: a narrativa é contada segundo a sua perspectiva, e apenas um capítulo mostra os pensamentos de April. Por outro lado, mesmo sendo o guião do filme fiel ao livro, Mendes dá-nos mais pistas na interpretação da estória. "Eu entendo que você queira uma saída", diz um vizinho a April, tentando mostrar compreensão pelo desejo de fuga para Paris. "Não, eu quero uma entrada", é a resposta dela.
Mais detalhes é impossível contar, para não corromper a experiência de quem ainda não tenha visto o filme ou lido o livro. Apenas noto que as semelhanças com a banda sonora de "Beleza Americana" auguram algo de trágico, num clima de desespero que poucos conseguem transmitir como Sam Mendes.
Fontes das imagens: 1, 2, 3, 4, 5, 6.