Um rio que passa por ali
"Quando estou só, à meia luz, toda existência se desfaz e parece reduzir-se apenas à minha alma e sobram apenas as minhas lembranças. E ouço os sons do rio, correndo em ritmo compassivo. Quase sempre, todas as coisas se fundem em uma só, e um rio passa através dela. O rio foi talhado pela história e corre sobre rochas do início dos tempos. Em algumas rochas há o que o tempo mantém eterno e sob elas estão as palavras. E as palavras são eternas."
A River Runs Through It foi um dos primeiros trabalhos do então ator novato, Brad Pitt, e alavancou sua carreira - não por ser considerado mais um rosto perfeito na tela, mas pelo seu incontestável talento.
Tanto no Brasil, quanto em Portugal os títulos Nada é para sempre e Duas Vidas, respectivamente, deixaram a desejar - o que não ofuscou o sucesso com o qual o público recebeu o filme. Afinal, o elenco escolhido por Redford foi excepcional, ostentando nomes de espetaculares atores como Tom Skerritt e Brenda Blethyn.
Com uma narrativa emocionante, o drama familiar se passa na década de 20 e conta a vida de uma família protestante presbiteriana que vive no Estado de Montana, EUA. Os irmãos Normam (Craig Sheffer) e Paul (Brad Pitt) crescem sob uma religiosa e rígida educação imposta pelo pai e pastor, o Reverendo Maclean (Tom Skerritt). Apesar do rigor, os irmãos vivem em um ambiente familiar agradável e de bons costumes. Quando mais velhos, Normam se rebela contra alguns controles baseados na religião, mas sem perder a fé com a qual aprendera a resguardar o coração. Entretanto, para seu irmão caçula, Paul, toda a existência torna-se antagônica, culposa e extremista, numa constante luta com sua própria fé, a qual um dia fora entusiasmada e enérgica, mas que agora retalha sua alma com a força de desilusões.
Normam afasta-se de Paul que, por sua vez, afasta-se de toda a família. Com o tempo, o único elo que ainda resta entre os irmãos é a pescaria, tradição vivida com paixão pela família. O grande rio que corta a cidade de Missoula, onde vivem, é, talvez, o principal personagem da estória. O rio é o porto seguro dos meninos que aprenderam não somente a brincar, como também a repartir momentos, sonhos e estórias. O rio é onde depositam a confiança e o afeto que sentem um pelo outro. O rio é o lugar onde o pai lhes ensinou a perseverança e a disciplina, por meio da pescaria. O rio é a grande metáfora sugerida pelo autor do romance, o qual insinua que tudo corre para o mesmo sentido, que tudo fica como deve ficar, desde o início, quando as relações são ancoradas em respeito e amor.
Assim como o livro, o filme é arrimado por conceitos conservadores, os mesmos que educaram o autor, mas contém um humor suave. O filme mostra que todos, cedo ou tarde, lutamos contra algo em que acreditamos. A narrativa ressalta, principalmente, as fraquezas do ser humano, reduzindo-o à completa dependência de algo maior, limitando-o - uma idéia bem presbiteriana.
Aclamado pela crítica, levou o Oscar de Melhor Fotografia pelo lirismo das imagens, além de ter sido indicado às categorias de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Trilha Sonora, ampliando os créditos de Redford na indústria do cinema. A trilha sonora que acompanha o drama é inteiramente instrumental, do fantástico compositor Mark Isham, o mesmo responsável pela música do filme Crash, 2004.
A River Runs Trhough It fala simplesmente acerca do amor, a base de qualquer relação, seja ela entre pessoas com conceitos diferentes ou iguais. O drama nos lembra da grandiosidade do amor gratuito, o qual não é fácil, nem generoso, mas absolutamente gratificante. Pois a liberdade de podermos amar uns aos outros, completamente, sem entendermos uns aos outros, completamente, é a mais livre das sensações.