Rome: o western imaginário de Danger Mouse & Danielle Luppi
Engraçado pensar como em pleno 2011, com uma infinidade de possibilidades tecnológicas expandindo horizontes em diversos campos, a estética e temática do passado ainda tem força. Indo além de modismos ou do culto ao vintage, alguns recortes cronológicos inspiram artistas a criarem obras que acabam soando como um bem-vindo sopro de ar fresco em meio a produções corrigidas digitalmente até à perfeição e tons milimetricamente processados. O fetiche do papel no nanquim, da agulha no vinil e da película esfumaçada ainda são imbatíveis, que me desculpem as novas gerações.
Um desses recortes antológicos no tempo inspirou a gravação de um dos álbuns mais interessantes desse ano: Rome, de Danger Mouse & Danielle Luppi, dois músicos da nova geração (sendo que o primeiro é bastante conhecido como a contraparte do conjunto Gnarls Barkley em parceria com o vocalista Cee-Lo, além de colaborações com David Lynch). Para auxiliá-los, foram escalados outros nomes familiares da música atual que também não negam suas influências do passado, como Norah Jones e Jack White, "recém-divorciado" do White Stripes. No caso, foi a admiração pelo universo dos westerns italianos e pelas orquestrações do maestro Ennio Morriconne que motivou todo o processo criativo deste trabalho.
A "homenagem" aqui não fica a cargo de samplers (recurso já utilizado por Danger Mouse justamente em seu hit mais conhecido, Crazy, baseado em um tema de Gian Francesco Reverberi - confira no vídeo abaixo) ou qualquer outra citação pontual: dos arranjos aos equipamentos de gravação, passando pelos músicos, há uma conexão clara com a sonoridade épica e desoladora de filmes como Por um Punhado de Dólares e Era uma Vez no Oeste. O universo western não é o único revisitado aqui, já que o clima e as composições dos filmes giallo (voltados para o terror e suspense) também são citados como influência.
Em conjunto com Luppi, o produtor recrutou membros originais dos conjuntos Marc 4 e Cantori Moderni Choir - que gravaram alguns dos temas clássicos de Morricone -, realizou as gravações em Roma no mesmo estúdio onde as trilhas foram criadas e até mesmo vasculhou vilarejos italianos em busca de guitarras, órgãos e outros instrumentos daquele período. Todo esse processo certamente não foi simples, já que as gravações do álbum foram iniciadas há mais de cinco anos, os músicos já estavam aposentados e alguns instrumentos precisaram ser negociados em troca de garrafas de vinho... mas o esforço valeu a pena, pois há muito tempo não se ouvia sons tão originais em uma gravação contemporânea, passando longe dos beats, auto-tunes e sintetizadores atuais.
É importante dizer que essa predileção pelo analógico não significa que os autores de Rome sejam avessos à música moderna, pelo contrário: Mouse se tornou sinônimo da música produzida na última década em virtude do seu versátil portfólio, que inclui artistas diversos como Gorillaz, Beck, U2 e Broken Bells, sem falar no projeto The Grey Album, que mescla de maneira ímpar a música dos Beatles com Jay-Z (mas isso é assunto para outro artigo). Parte desse sucesso também pode ser creditado a Danielle Luppi, músico de ascendência italiana que já colabora com Burton desde o primeiro álbum do Gnarls Barkley. Ambos são artistas indubitavelmente conectados a seu tempo e à música pop, o que também fica evidente neste álbum.
Mesmo com uma proposta um tanto "rebuscada" para os dias atuais (ainda que com um evidente apelo cinematográfico), o resultado sonoro tem um frescor invejável e duração típica das melhores canções pop: não temos aqui épicos de dez minutos ou colagens experimentais, e sim melodias primorosas e arranjos que parecem flutuar no ar entre os ritmos irresistíveis de baixo e bateria - um dos destaques do disco, juntamente com as interpretações de Jack White e Norah Jones. São canções de um filme nunca finalizado, de algum deserto perdido no tempo e no espaço.
Ironicamente, a inovação tecnológica não foi totalmente abandonada em Rome, ao menos para a promoção do álbum. O filme interativo "3 Shades of Black" possibilita uma imersão por três "níveis" diferentes de sonho (alguém lembrou de Inception?) com animações e gráficos 3D, cada um com um estilo artístico diferente. Elaborado com uma tecnologia derivada do HTML5, o projeto foi idealizado pelo diretor Chris Milk, que realizou trabalhos audiovisuais semelhantes com Arcade Fire e o ícone Johnny Cash. Sem dúvidas, uma maneira inusitada de apresentar o disco para quem tem mais intimidade com o computador do que com as telas de cinema. Para entender melhor, vale a pena experimentar por conta própria através do site (utilizando o Google Chrome como navegador) ou conferir o making of abaixo.