são tomé: a ilha perdida no equador
Conta a lenda que um dos barões da roça de Água Izé era tão ruim que, quando queria vir a Lisboa, pegava no seu cavalo, dirigia-se ao canal da Boca do Inferno, perto da roça, e saltava para o mar. Este teria uma ligação à capital da metrópole e o barão surgiria pouco tempo depois no seu destino. Ao longo dos anos, o canal foi sendo erodido pelo mar e tornou-se numa massa de rocha basáltica. Devido à sua forma peculiar e à força com que as ondas o atingem, este local começou a ser associado ao demónio e os são tomenses ainda têm bastante respeito (medo, até) à Boca do Inferno.
Situado na linha do esquador, São Tomé parece ter parado no tempo. A roça de Água Izé, situada na costa este da ilha, é apenas um exemplo do fantasma gigante do passado que ainda sobrevive nos dias de hoje. Foi criada na segunda metade do século XIX para a exploração de cacau, e a figura de Sousa e Almeida, Barão de Água-Izé, destaca-se pela sua fama autoritária e má relação com os trabalhadores.
Na altura existiam cerca de 800 roças em São Tomé e Princípe, que gozavam de uma estrutura bem definida. O patrão geria todos os assuntos internos e externos, sendo o símbolo máximo do controlo. Depois, existiam os feitores que administravam as fazendas e os trabalhadores, que eram coordenados (e algumas vezes mal-tratados) pelos capatazes. Quanto à arquitectura, normalmente as roças tinham a casa do patrão, que se destacava do resto das habitações, um hospital para os trabalhadores, as instalações fabris - que, na maior parte dos casos, incluíam caminhos de ferro para transportar o cacau ou café - e as senzalas para o alojamento dos trabalhadores.
Mais de cem anos depois, as ruínas são uma constanta na ilha. Após o 25 de Abril de 1974 e o fim da época colonial, as roças foram nacionalizadas e entraram numa fase de decadência. Não só Água Izé, mas também Rio d'Ouro (agora, Agostinho Neto), Bombaim, Fernão Dias, Diogo Vaz, Monte Café, entre outras. A saída em massa de portugueses e caboverdianos contribuiu para esse facto. Ao longo dos anos, após a independência, as roças foram produzindo cada vez menos cacau e café e, pouco a pouco, foram sendo abandonadas por má gestão e falta de manutenção. Hoje os baluartes da economia e arquitectura colonial são ruinas da ocupação portuguesa e a produção de alimentos é apenas para destino local.
Para além das ruínas, quem hoje visite São Tomé encontra pouco da cultura colonial. Na capital, o meio de transporte que reina é a Hiace - carrinhas da Toyota amarelas que se enchem com mais de uma dezena de locais com destino às roças circundantes. Ao contrário da rigidez do tempo colonial, os risos e o bom ambiente são acompanhados de música com o volume alto e havaianas nos pés. Quem, numa sexta-feira à noite, vai dar um pezinho de dança a uma discoteca já não é do tempo do patrão colonial - é do tempo da cerveja nacional, uma das únicas indústrias do país.
De resto, o pó está por todo o lado, tal como os avisos de protecção para a malária e a banana frita em pequenos pacotes de plástico. No pequeno país africano isolado pode andar-se a qualquer hora em qualquer lado sem se sentir medo, mesmo que se tenha alguns milhares de dobras no bolso - não que isso signifique muito dinheiro. Aqui, vive-se a cultura do "leve, leve": as preocupações podem sempre ser adiadas para o dia seguinte e é melhor que apague temporariamente as noções de horários. Aqui, não se aplicam todas as regras, muito menos as relacionadas com pontualidade. Bem-vindo a São Tomé. O resto, fica para contar depois.
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