Feito uma pipa
A pipa é uma metáfora perfeita do ciclo de vida do ser humano. Antes de ganhar o céu, por exemplo, ela precisa ser cuidadosamente fabricada, desde a escolha do bambu até a lapidação das varetas, o esticamento do plástico ou da seda e, para finalizar, o tamanho correto da rabiola — não adianta nem tentar, pois ela sempre deverá ser proporcional à pipa.
Nós, seres desenvolvidos dentro das memórias e regras de uma sociedade, antes de ganharmos o mundo, também somos cuidadosamente construídos, desde as influências familiares, passando pelo conceito da moral e ética, e formando, enfim, o caráter. E, assim como a pipa vai refletir a destreza, o conhecimento e o cuidado do seu criador, nós seremos reflexo dos nossos educadores — por mais que não queiramos, o subconsciente carrega as boas e as más influências!
Pronta, a pipa poderá ganhar os céus, resplandecendo as (im)perfeições, cores de alegria e dançando no ritmo dos ventos. Sempre ligada à linha do seu tutor, ela vai para onde ele quer, direita ou esquerda – o criador está no comando! Nós, seres influenciados pelos preceitos da sociedade, quando ganhamos o mundo, somos guiados pelos nossos criadores, obedecendo, respeitando e traçando o caminho sonhado por eles. Dançamos, não conforme o vento, mas no ritmo de tudo o que nos foi ensinado.
Lá no alto, a pipa encontrará barreiras para se manter vistosa. O vento, por exemplo, vai mudar de direção, e o controlador da linha terá que saber contornar as adversidades para mantê-la deslizando nos céus. E, embora tudo pareça perfeito, outras pipas vão surgir e, na primeira oportunidade, vão tentar derrubá-la. No mundo, enfrentamos os mesmos percalços. O trabalho, a vida amorosa e os relacionamentos familiares, às vezes, nos levam para um lado não tão simples de ter o controle. E, em qualquer que seja o ambiente, sempre haverá pessoas tentando nos derrubar.
Contudo, apesar das diferentes direções do vento, da previsão de chuvas e tempestades, da luz do sol que derrete a visão ampla, a pipa ainda está ligada ao seu criador por meio da linha. Ela ainda poderá ser controlada e, aos poucos, ganhar de novo a estabilidade tão sonhada. Só que, quando menos esperamos, esse mesmo fio é arrebentado, e a pipa vai planar pelos céus, meio que descontrolada, até descobrir novos solos, encontrar outras pipas e, mais uma vez, poder voar com toda destreza.
Nós, seres amparados, criticados e aconselhados por tantos criadores, voaremos durante um bom tempo ligados pelo cordão umbilical. Mas, chegará o momento em que esse fio será arrebentado. E, a partir daí, vamos cambalear, perder a direção e, quiçá, cair. Quando isso acontecer, estaremos prontos para descobrir novos solos, encontrar outra pipa que queira voar e, enfim, ganhar os céus com que tanto sonhamos.