Anuviada
Para quem nasceu na secura de Goiás é meio escorregadio se adaptar à elevada umidade do ar catarinense, mas como sou torta na vida – tal qual as árvores de galhos tortos e raízes profundas (para buscar água lá no fundo da terra) do cerrado goiano – cá estou: molhadinha, andando entre a água.
De água sempre gostei, por mais que a hora do banho formal, aquele com sabonete e kwell, fosse sempre um drama. Mas de água sempre gostei, por mais que custasse um castigo por tomar banho de chuva ou por ir pro rio sozinha (mas a irmã mais nova foi junto, alegava - e só me incriminava mais), ou por entrar em mar bravo, ou por me molhar com uma garrafinha d’água (!) mais do que devia após uma partida de tênis, ou por deixar a mangueira ligada para encharcar o quintal… Bom, deu para entender, sim? De água sempre gostei.
Talvez porque água era coisa que não se encontrava assim no ar, ao contrário do sol, que até debaixo de sombra, até à noite, tava ali, ali ardendo na pele, ali dentro da gente. Água não. Água até quando dava para vir vinha rapidinho. Depois daquele solão, caía em tempestade brava e dali uma hora ou duas ia embora.
Por isso se a gente ouvia trovão lá longe já tinha que ir se preparando para quando a chuva chegasse, porque chuva era que nem o carro da pamonha, a gente esperava o dia todo para ouvir a voz entediada do senhor de bigodinho, todas elas com queijo aqui no carro de sooom, tão entediada como o Boooom das nuvens pesadas que se chocavam em algum lugar atrás do muro. Era anúncio de chegada, de pamonha ou de chuva. A diferença é que o carro da pamonha vinha todo dia a tarde, a chuva não. Então tínhamos que sair correndo e aproveitar ao máximo cada gotinha que escorria até nos transbordar.
E, para completar, quando era tempo de chuva – e eu não sabia que tinha uma época do ano que tinha chuva – a gente podia matar aula ou chegar atrasada, era um evento tão raro que não estávamos acostumados à incluir a chuva na rotina. A chuva desandava a gente.
E aí, nadando uns dez anos adiante, deu de conhecer uma ilha. Era a primeira vez que eu estava em uma ilha. A ideia de estar rodeada por água me assustou, como quando encontrei o mar (conscientemente) pela primeira vez. E por me assustar, me fascinava, me atraía, me apaixonei. Detesto clichês, mas não teve jeito: fui pega pelo encantamento da Ilha da Magia. E depois de marés altas e baixas, algumas luas, algumas ressacas, cá estou, molhadinha. Nos últimos dias andando entre a água.
Já faz uma semana que chove. Não chuva que nem em Goiânia, aqui a gente anda no meio da chuva mesmo, anda nas nuvens sem sair do chão, é chuva leve e fininha que nos rodeia. Aliás, guarda-chuva não adianta, a água está por todos os lados. De tanto gostar de água virei chuva.
Ano passado finalmente adquiri o último item que garante minha passagem para a vida adulta: comprei meu primeiro guarda-chuva. Não sem alguma relutância. Goiana que sou, nunca fui muito íntima dos guarda-chuvas. Em Goiás a maior utilidade de um Guarda-chuva e ser uma Sombrinha.
Não que não chova naquelas bandas, é que quando chove bom mesmo é refrescar n’água que cai. Contrafeita comprei o objeto e me senti mais adulta do que quando peguei meu RG, título de eleitor, diploma da graduação, carteira de motorista etc. etc.
Às vezes, especialmente no verão, quando a água caí, é preciso abrir a bugiganga e tentar manter a superfície o mais seca possível para o próximo compromisso. Por dentro, uma Luizinha fica se segurando para não começar a tomar um banho de chuva ali, no meio da rua mesmo. Ficar mais que molhadinha, transbordar felicidade por inteiro.
Experimente tomar um banho de chuva!