Sete filmes sobre o desejo de transcender
Cena do filme Foi apenas um sonho, de Sam Mendes. Adaptado do romance Revolutionary road, de Richard Yates
Transcender vem do latim: transcendere. Trans= através. Scandere= escalar , subir , elevar. Transcender é se superar , é ultrapassar algum limite , ir além.
Muitas pessoas buscam o transcendental por meio da fé religiosa , por meio da esperança de outra existência que ainda virá. Outros passam pela vida sem pensar muito a respeito. E existem aqueles que tentam fazer algo especial neste plano: humano e limitado. É sobre esta categoria que pretendo falar neste artigo: os que tentam transcender por meio do trabalho, por meio da relação amorosa , da arte , do conhecimento etc
Já dizia Freud , que os mais nobres destinos das pulsões eram a sublimação por meio da arte e da ciência. A fome pelo saber e a capacidade de criar artisticamente são duas estratégias comumente utilizadas por pessoas que desejam ir além delas mesmas , de suas limitações , das limitações do senso comum, do status quo que dita regras e padrões.
Para Nietzsche , a arte era algo espetacular. Mas o sentido de arte para Nietzsche ia além das sete catalogadas ( em seu tempo produtivo, seis). Para ele, qualquer trabalho feito com paixão era artístico. O próprio sentido de arte nietzschiano era transcendental.
O atual artigo irá citar sete filmes que mostram personagens que desejam transcender e a sua importância para o desenvolvimento de uma forma de pensar mais crítica , mais irreverente , no bom sentido da palavra irreverente. Quebrar regras por quebrar , apenas para escandalizar ou gerar caos nada tem a ver com quebrar regras que tornam a nossa existência mais significativa.
A ordem dos filmes é alfabética.
1. A festa de Babette, de Gabriel Axel
Esta belíssima obra dinamarquesa , vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1988, mostra uma mulher francesa que se refugia na casa de duas bondosas senhoras num pobre vilarejo da Dinamarca , no século 19. Babette, durante anos , esconde de suas benfeitoras que foi uma grande chef de cozinha em Paris e se restringe a fazer uma simples sopa todos os dias para agradar às senhoras. Apenas no final da trama , após receber um prêmio em dinheiro, prepara um jantar suntuoso para os moradores do vilarejo e transcende por meio da sua arte. A mais bela passagem deste filme é quando Babette afirma às senhoras que uma artista nunca é pobre.
2. A filha de Ryan, de David Lean
Épico romântico de 1970, este filme pouco reconhecido pela crítica e pelo público, foi a obra favorita do seu diretor. Ambientado na República da Irlanda , no ano de 1916 , tendo como pano de fundo o conflito entre ingleses e irlandeses , A filha de Ryan tem como protagonista uma jovem mulher que deseja acima de tudo transcender por meio do amor. Uma das mais belas passagens do filme é quando o padre pergunta o que ela espera do casamento e Rose olha para o céu enquanto passa uma revoada de pássaros. A presença constante do mar durante os passeios solitários de Rose , durante seus encontros fortuitos com o amante , nos remete o tempo todo às forças da natureza, ao inevitável, ao próprio feminino: fluido e devastador. A filha de Ryan combina magistralmente elementos do cinema comercial com elementos do cinema de arte. Infelizmente , um filme incompreendido.
3. Cisne negro, de Darren Aronofsky
Este sombrio e intenso filme sobre o duplo, mostra o pesadelo interior de uma bailarina esquizofrência paranoide, ultra perfeccionista , que começa a se deparar com ela mesma , com o seu lado B enquanto compõe o personagem cisne negro para o balé O lago dos cisnes. Nina que no início do filme parecia ser capaz de viver apenas o cisne branco por ela mesma ser doce e cordata , começa a se tornar o cisne negro no decorrer da trama. Mais do que isso: começamos a perceber que talvez o cisne branco nunca tenha existido de fato, foi apenas uma invenção proposta pela mãe de Nina. A protagonista deste filme tenta transcender por meio da arte: o encontro ideal entre a técnica apurada e a paixão.
4. Foi apenas um sonho, de Sam Mendes
Neste tenso e visceral filme sobre o fracasso do American way of life , baseado no contundente romance de Richard Yates , temos April, uma mulher passional e intensa , que não se contenta com o casamento e a maternidade. Ela quer transcender , mas não sabe exatamente como. Deposita suas esperanças em Paris. Imagina que por meio da cidade luz e da descoberta de uma possível vocação do marido, ela possa ir além, já que fracassou no seu sonho de ser atriz. April tenta com todas as forças pegar a Estrada revolucionária.
5. O piano, de Jane Campion
Vencedor do Oscar de melhor filme em 1994, O piano mescla com maestria poesia e erotismo, por meio da enigmática personagem Ada , vivida por Holly Hunter , também premiada como melhor atriz por esta obra. Mais do que um filme sobre o amor, O piano fala sobre o feminino e seu universo insondável. É sobre uma mulher que se expressa por meio do seu piano, que transcende por meio do seu piano e da possibilidade de experenciar os mistérios do seu feminino.
6. Paixão proibida, de Michael Winterbottom
Neste melanólico e sensível filme , baseado na célebre obra naturalista de Thomas Hardy , Judas , o obscuro, vemos a tragédia de um homem que quer transcender por meio do conhecimento, mas por pertencer a uma sociedade sem mobilidade, a inglesa do século 19 , precisa viver a vida inteira como um artesão. Judas acreditava que poderia ir além se tornando um acadêmico. De certa forma , Sue , personagem vivida por Kate Winslet também deseja transcender, mas por meio do seu senso de liberdade , por meio do questionamento que faz ao próprio sistema em que vive.
7. Sociedade dos poetas mortos, de Peter Weir
Este tocante filme sobre um professor que leciona para garotos em uma tradicional escola dos anos 1950 é um belo exemplo de obra que fala sobre o desejo de transcender. John Keating , vivido por Robin Williams , de certa forma , tentou transcender por meio de seus alunos , por meio da possibilidade de ver os seus alunos transcendendo.
Nem sempre os personagens que desejam transcender têm um final feliz nos filmes , mas de qualquer forma , os sofrimentos enfrentados por eles não deveriam ser encarados como uma desculpa para deixarmos de vivermos a nossa vida apaixonadamente. Em nossa sociedade , cada vez mais horizontalizada , que questiona constantemente os padrões , temos espaço sim para repensarmos a nossa existência e tentarmos pegar um caminho mais realizador. Muitas vezes , os caminhos realizadores são os mais longos e tortuosos , mas podem valer muito a pena sim.