Obrigada pelo domingo, Gonzaguinha
Luiz Gonzaga não trouxe apenas auto estima para os brasileiros. Na forma de um baião tão apimentado, ardente e alegre; o legado de ser inesquecível foi também um baião composto de dois.
Luiz Gonzaga Júnior, ou Gonzaguinha, era filho legítimo do rei do baião e a genética não decepcionou. Com tons de música bastarda em plena ditadura, Gonzaguinha teve a coragem de colocar a cara do povo em frente ao espelho e gritar "Fala Brasil". No nosso "Comportamento Geral", nós continuávamos agradecendo migalhas e esperando por mais um carnaval. Mas ele não cessava. E, nesse domingo, foi ele quem salvou a minha auto estima, em particular.
Gonzaguinha conhecia muito bem o ser humano. Socialmente, sabia as dificuldades em lidar com os desmandos autoritários do governo ditatorial, do nosso amor pelo carnaval e futebol, da nossa preferência pelo "pretinho que satisfaz". Era contra preconceitos, à favor da liberdade, da alegria e do amor.
E sobre amor... Gonzaguinha sabia expressar aqueles sentimentos que mal sabíamos ter. "Grito de alerta" salva muitas almas desse "lado carente dizendo que sim", desses relacionamentos angustiados, permeados por uma dependência de se ver apaixonado enquanto se afoga num "rio secando" com "pedras cortando". Você supera esse "copo cheio" sem precisar beber nada, apenas acalentado pela voz dele. Sim, já fui salva por esta música várias vezes.
Por toda essa cidade que vivia em seu peito, por toda essa vivência humana que experimentou até os quarenta e cinco anos de idade, sentia muitas dores. Dores como as de um parto. "Grávido. Por que será que um homem não pode querer estar?" Ah, Gonzaguinha... Você pode tudo...
Você colocou em nossos corações bravura, acreditou na força de cada brasileiro. Você é "Aquele que sabe que é negro o coro da gente/ E segura a batida da vida o ano inteiro/ Aquele que sabe o sufoco de um jogo tão duro /E apesar dos pesares ainda se orgulha de ser brasileiro/ Aquele que sai da batalha/ Entra no botequim, pede uma cerva gelada/ E agita na mesa logo uma batucada/ Aquele que manda o pagode/ E sacode a poeira suada da luta e faz a brincadeira/ Pois o resto é besteira”. Você é um dos maiores símbolos do povo e da música brasileira.
Pôde me ajudar a rasgar o "diploma de bem comportado". E,"sangrando" por mim e por tantos, nem deve saber que realizou sua vontade de "dar à luz" a tantas almas, como a minha.
Agora, despeço da tarde de domingo com "Gás neón". Minha preferida:
"Viver essa longa avenida de gás neon
Portas de ouro e prata
Falsos sonhos nessas noites de verão
Faces coloridas, farsas de alegria
Beijo sem sabor
Gestos clandestinos tontos e sedentos de amor
Espinhos, rosas, risos, pranto e tanto desamor
Corte, cicatrizes, gritos engasgados
Lágrimas de dor
Máscaras no rosto, continua a festa
No sorriso o sal
A orquestra geme as dores do palhaço
Triste marginal
Ai de quem mergulhar nesse mar de veneno
Nessa lama enfeitada, nesse sangue das taças
Temendo sofrer
Ai de quem quer negar esse mar de veneno
Mil vezes maldito na inconsciência
Das vidas à margem, há de ser"
Gonzaguinha,"Eu apenas queria que você soubesse que aquela menina hoje é uma mulher", muito graças à você. Agradeço a todos os seus conselhos e motivações dados durante todos esses anos.
Qualquer coisa, "nós estamos pelaí".