Morango e Chocolate
Começo pelo título sugestivo, dois sabores diferentes,um natural o outro processado, não misturados, portanto Morango e Chocolate, mas que ao se juntarem modificam-se mutuamente. É uma bela metáfora que significa ser possível conviver com as diferenças. Mostra o quanto a tolerância, o amor, a solidariedade podem derrubar os muros que nos separam se conhecermos melhor os outros como humanos.
O filme aprofunda uma reflexão sobre a mente grupal, nossos preconceitos e intolerâncias pelo não eu, pelo que não é igual, e pela exclusão de quem pensa e age diferente dentro de sistemas fechados... Social-ismo versus Narcis-ismo.
Traz como pano de fundo a questão do homossexualismo, que é tratada de uma maneira bem sensível, mas o que eu quero destacar não é a paixão sexual, mas o quanto uma pessoa pode também se apaixonar pela mente de um outro, pelas suas ideias, mesmo em circunstâncias tão adversas, como no caso de Diego e David, os personagens do filme. Esse fenômeno é chamado na psicanálise de Identificação – “a expressão primeira da ligação afetiva a uma outra pessoa.”
A Psicanálise privilegia muito mais a pulsão do que o objeto escolhido. A homossexualidade não é uma questão dos homossexuais, mas uma questão do sujeito humano.
O filme enfoca o indivídual sob a ótica dos fenômenos grupais. O homem é um animal político (Aristóteles). É sabido que o indivíduo em um grupo pensa e age de maneira diferente do que agiria isolado, pois sua personalidade consciente se esfacela em proveito da sua personalidade inconsciente.
Ele adquire um sentimento de força invencível, perde o sentido de responsabilidade individual e da consciência moral. É o fenômeno do contágio, a ponto de sacrificar seus próprios interesses pelo interesse coletivo (caso de David); torna-se sugestionável como uma pessoa hipnotizada nas mãos do hipnotizador. (Freud, Psicologia das Massas e Análise do Ego).
Surge no grupo a necessidade de um líder, com prestígio e interesses comuns, em torno do qual as pessoas se agregam, se influenciando mutuamente, adquirindo comportamento regredido e primitivo.
Sentimentos de compaixão enfraquecem o grupo, que também exige do líder força e brutalidade. Emoções passam a ser exaltadas e o pensamento inibido – ficam valendo somente as atuações.
A força de EROS (libido) sustenta a coesão do grupo: “Por amor a eles” (lema revolucionário). Não só o amor, como também o ódio constitui um fator de unidade, portanto ambivalência, projetando sentimentos hostis contra a pessoa amada,ou vice versa, como no caso de David, que começa a admirar aquele que supõe ser o alvo do seu ódio.
Há uma limitação do narcis-ismo em favor do social-ismo, uma renúncia em favor da maioria, que é um dos fundamentos da Civilização. Vejamos como isso se dá no filme:
Diego é um professor de arte, culto, firme em seus ideais políticos e homossexual assumido que faz um uso agressivo da sua sexualidade para provocar e enfrentar seus adversários, pois suas ideias e sua escolha sexual são tidas como subversivas, contrárias à ideologia cubana, aonde ser homossexual significa afrontar a política do partido.
Homo pensante e homo sexual, duas afrontas dignas de perseguição!Para ele a arte é para sentir e pensar!Investe generosamente nos artistas cubanos, lutando para que consigam expor seus trabalhos e passa a se interessar também por David, pois percebe que ele também é ávido por conhecimento.
David é filho de um trabalhador rural que graças ao partido comunista consegue frequentar a universidade e se tornar um revolucionário assumido, doutrinado pelo regime, cheio das verdades apreendidas no partido e se aproxima de Diego inconscientemente atraído pelos livros (sua escolha principal na vida da qual abre mão pelo partido).
Aproxima-se então de Diego no começo para fiscalizá-lo e denunciar quem vive contra o sistema, mas acaba seduzido não pelo seu corpo, mas pelo novo mundo das ideias que Diego lhe apresenta, pela sua liberdade de pensamento - o conhecimento e a cultura abrindo portas e espaços mentais numa mente antes aprisionada pelas verdades absolutas do sistema...
O fanatismo cega, tanto o religioso como o político. Enquanto David está cego e atua, Diego pensa, tem consciência libertária, transborda cultura, aponta as falhas, mostra verdades, enxerga! Ele é contra a injustiça, o preconceito, a exclusão.
Enxergar dói e Diego sofre, ansiedade depressiva, daquele que consegue integrar os dois lados, o bom e o mau, diferente de David, com o predomínio da ansiedade persecutória, aonde não há lugar para a integração, é tudo ou nada! Absolutismo!
Podemos ampliar essa temática para outros aspectos, como a violência não só física, mas a violência mental da discriminação, sexual, racial, política!Instinto de vida e instinto de morte são forças opostas que convivem dentro de nós, e o amor é a força propulsora que nos impulsiona para tudo que é vida, solidariedade e generosidade para com o próximo e principalmente para conosco.
O mundo todo assiste e vive atualmente a questão sofrida pelos refugiados da guerra da Síria, da África, um problema de difícil solução e que requer ações rápidas e humanistas por parte dos países. E o que assistimos, impotentes? Tragédias, massacres, guerras... Vítimas da intolerância! O instinto agressivo e destrutivo predomina nas diferenças e no fanatismo religioso, fazendo milhares de vítimas.
A aproximação de David e Diego produz uma feliz transformação em suas vidas, sem perda das identidades. Diego é professor por vocação, sente prazer em lapidar a personalidade tosca de David, no começo com a intenção de seduzir, mas também pelo prazer de ensinar.
Há uma bela passagem, no triângulo formado pela entrada da amiga Nancy,quando Diego percebe que os dois se apaixonam e oferece o amigo, alvo de seu desejo sexual para a mulher, abrindo mão dele, como a criança que resolvendo sua questão edípica, pode abrir mão do amor de sua mãe e se identificar com a figura paterna.
E no abraço final o gesto de amor que vence as barreiras do preconceito e da culpa! Talvez possamos amar mais em vez de matar uns aos outros!