O que a sua criança te diria? E o que você diria para ela?
Duas Vidas (2000) é um filme que aborda sobre os desejos da infância e os caminhos da vida adulta. Russ é um consultor de imagem de sucesso, reconhecido pela alta classe da sociedade. Até que um dia, ele começa a ver a sua criança de oito anos, o pequeno Rusty. Primeiramente, se enfurece e se questiona a respeito do motivo da criança estar ali, trinta e dois anos depois.
Russ acredita que Rusty apareceu pois a criança precisa da sua ajuda, em como se defender de colegas da escola. Ao decorrer do filme, pode-se observar que Rusty considera que se tornou um adulto fracassado, pois não é casado, não é piloto de avião e não tem um cachorro. Neste ponto, reflete sobre os desejos da infância e em como o adulto Russ foi realizando escolhas que se distanciavam dos seus desejos. Isso aconteceu devido ao desprezo que Russ sentia durante a infância, do modo como era tratado pelas pessoas, colocando-se em uma posição sem prestígio pelos outros e buscando ser alguém que não apenas chamasse a atenção das pessoas, como principalmente fosse respeitada.
Uma vez eu ouvi uma frase que dizia "eu quero ser o homem, que não envergonhe o menino que eu fui". Ao analisar o filme "Duas Vidas", eu lembrei exatamente dessa frase. A principal reflexão que o filme traz é a questão da criança interior que muitos de nós matamos e enterramos dentro de nós, às vezes, por não acreditar que aquela criança seja digna de amor, de respeito e de viver. Russ havia se tornado uma pessoa que envergonhava a criança que ele tinha sido.
Na sociedade atual, as pessoas estão muito focadas em ser um figura de poder, de admiração e de "respeito". O que a gente esquece é que toda essa produtividade e ações voltadas para resultado, por vezes anula a nossa vida emocional saudável e a nossa conexão com quem realmente somos. Olhar para a sua criança interior, reconhecê-la e aceitá-la, pode ser um processo desafiador. Porém, tão necessário quanto respirar. A partir disso, podemos ressignificar e alterar padrões comportamentais.
Em um momento do filme, Rusty explica o que Russ faz como consultor de imagem, ele diz o seguinte: "você ajuda as pessoas a mentir sobre quem elas são de verdade, e aí elas mentem para as outras pessoas sobre quem elas realmente são". Mentir sobre quem a gente é de verdade, tem um preço a se pagar. Como tudo na vida tem, como todas as escolhas que fazemos têm. A observação é que ao mentir sobre nós, por mais que a gente diga diversas vezes e tente acreditar com toda força que é a única verdade possível, no fundo sabemos que algo está errado, em discordância. O preço do Russ era uma vida solitária e vazia aos quarenta anos, mesmo ele estando rodeado de pessoas com alto status social.
Ser desprezível para a sociedade materialista focada em produtividade? Ou ser desprezível para a criança que você foi? Sabe aquela criança que diria que ao crescer faria tudo diferente, está fazendo? Se conectar com nossos reais desejos, nos coloca em posição de liberdade e responsabilidade com nós. Se conectar com nossos reais desejos nos motiva a viver. Questionar se a criança que eu fui, teria orgulho de quem eu sou hoje, nos faz pensar e avaliar sobre o nosso modo de viver. Pelo quê você tem pagado o preço? O que a sua criança te diria? O que você diria para ela? Às vezes, a gente oculta a nossa parte mais bonita por medo do que vão dizer, por não se aceitar.