Adoção por novas configurações de família
Texto escrito em colaboração com a Jornalista Kassia Beltrame.
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, o casamento deixou de ser fonte única e exclusiva de formação familiar. Na atual realidade social, é notável a existência de novas instituições familiares, como: homoafetiva (pessoas do mesmo sexo), anaparental (sem a presença de um nos ascendentes), mosaico (casais divorciados que encontram outros cônjuges que têm filhos), paralela (um dos integrantes participa como cônjuge de mais de uma família) e eudemonista (amigos que vivem juntos).
Joana (pseudônimo) reside em Cascavel e constitui uma família diferente do modelo tradicional. Aos 32 anos, resolveu encarar sozinha o desafio da adoção. Três anos e meio depois da iniciativa, chegou a seu lar aquela que faria parte da sua vida para sempre. Isso comprova que independentemente de sua opinião a respeito do conceito de família, de qualquer legislação ou nova decisão da Câmara, elas continuarão a ser uma família.
Para Joana, “o que define uma família é o amor”, o qual vai além de definições de gênero, raça ou cor. Por isso, mesmo sabendo que sofreria com o pensamento retrógrado e com o preconceito da sociedade em geral, escolheu adotar uma criança mais velha e negra. Preconceito este, que se confirma quando mãe e filha saem juntas, visível nos olhos de muitos que as cercam, conta Joana.
Para Joana, qualquer pessoa, desde que tenha vontade e condições, pode adotar uma criança. E é isso o que diz a lei também. De acordo com a advogada Neusa Refatti, para realizar o processo de adoção: “é avaliada a vida pregressa dos pais, a situação financeira, o psicológico e o ambiente familiar”, afirma.
Infelizmente, como a sociedade, a legislação também não é livre de preconceito. Muitas famílias (não tradicionais) enfrentam dificuldades no processo de adoção. É o caso de Toni Reis, 51, professor, e David Harrad, 58, tradutor, que estão juntos há 26 anos e em 2005 decidiram adotar. O casal, residente em Curitiba e que vive uma vida afetiva, social, familiar e econômica estável, precisou de quase sete anos para ver o sonho da paternidade virar realidade, pelo simples fato de serem um casal homoafetivo.
Toni relata que o processo teria sido menos burocrático se tivessem optado por cada um adotar uma criança. No entanto, haviam dois fatores importantes em jogo: a igualdade de direitos garantida pela Constituição Federal; e o bem-estar das crianças. “Se adotássemos separadamente como solteiros e um de nós viesse a falecer, o outro não teria automaticamente o direito da guarda do filho adotado pelo falecido, prejudicando assim a segurança do filho criado conjuntamente pelos dois pais”, afirma Reis.
O caso foi o primeiro em Curitiba. Por isso, ao juiz faltava precedentes para embasar a sua sentença. Quase três anos depois do início do processo, ele decidiu que o casal poderia adotar conjuntamente, mas restringiu a idade e o sexo das crianças. “Teriam que ser maiores de dez anos e somente do sexo feminino. Achamos que a decisão do juiz foi discriminatória e recorremos”, relata Toni.
Após este fato, o professor e o tradutor tiveram causa ganha. No entanto, um promotor do Ministério Público recorreu e levou o caso ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), alegando que casais do mesmo sexo não formam uma entidade familiar e, portanto, não poderiam adotar conjuntamente. “O STF rejeitou o recurso porque não dizia respeito à matéria em julgamento, qual seja a restrição quanto à idade e ao sexo das crianças”, declara Reis.
Em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade que a união estável entre casais homoafetivos há de ser considerada igual à união estável entre casais heterossexuais. Essa decisão tem desdobramentos no campo da adoção também e, a partir disso, adotaram Alyson Harrad Reis aos 11 anos. De acordo com os pais de Alyson, a impressão que o menino tinha de gays era de “pessoas nojentas e horrorosas”, mas, com o tempo, ele foi percebendo que não e que hoje ama-os.
Adoção Tradicional
A professora da rede Estadual de ensino, Lilian Mara Furtado Barreiros e o motorista Jairo Alves Barreiros, resolveram adotar um menino após ver a filha biológica sair de casa aos 18 anos. O processo durou três anos e o casal escolheu um menino de até um ano de idade. Para Lilian, a adoção é um presente de Deus. “É uma graça, um amor que não tenho palavras para descrever. Temos problemas como qualquer família, mas estamos sempre presentes na escola, frequentamos a igreja, rimos e choramos juntos, e eu, em particular, sou uma ‘leoa’, pronta para defender a cria. Não admito preconceito”, afirma.
Educação de filhos adotivos
Segundo a psicóloga Talita Mayara Felipe, muitos pais adotivos passam a conhecer a história da criança anterior à adoção e se penalizam, passando a compensar com tudo o que imaginam que a criança queira. Assim como em filhos biológicos, os resultados deste comportamento são desastrosos, pois é papel dos pais, adotivos ou não, transformar seus filhos em adultos capazes de lidarem com as frustrações e os nãos que receberão ao longo da vida. Foi isso o que ocorreu com Toni e David. “A birra surgia principalmente quando Alyson Miguel queria que comprássemos tudo que chamava a atenção dele, como uma prancha de surf, óculos de natação, um relógio... Nesse início da relação, dizer ‘não’ pesava para nós, mas foi necessário para estabelecermos limites”, declara.