Os verdadeiros monstros de O Labirinto do Fauno
Quando assisti ao Labirinto do Fauno a primeira vez pouco entendi do filme e sai com a sensação de que se tratava de um filme de conto de fadas apenas mais sombrio que o normal para esse gênero de fantasia e com um cunho histórico interessante.
Os anos passam e as esquinas da vida, para o bem ou para o mal, nos ensinam várias coisas e com sorte nos transformam em pessoas mais maduras. Esse processo faz com que tenhamos visões diferentes de coisas iguais.
Quero acreditar que é isso que acontece comigo cada vez que novamente assisto ao Labirinto do Fauno. O Filme escrito, dirigido e produzido pelo mexicano Guillermo Del Toro em 2006 (quem diria já se vão dez anos!) surpreendeu pelos cenários sombrios e efeitos visuais, vindo a ganhar três merecidos óscares na época (melhor direção de arte, melhor fotografia e melhor maquiagem). A história muito bem elaborada e o pano de fundo também fizeram os críticos tecerem agradáveis elogios para a produção de Del Toro.
Para quem ainda não assistiu: a história da obra gira em torna da garota Ofélia, que acabará de perder o pai e se mudará para a casa do padrasto juntamente com sua mãe que está grávida desse. O filme é ambientado numa Espanha hostil, paranoica e devastada pela Guerra Civil em meados de 1944.
O Padrasto de Ofélia é um sádico e autoritário capitão do exército espanhol encarregado de encontrar e exterminar núcleos de resistências que se articulavam contra o ditador/general Francisco Franco que governou com mãos de ferro a Espanha de 1939 até 1973. Já a mãe da garota é uma mulher submissa e medrosa, que ainda por cima encontra-se cada vez mais doente durante a gravidez e em decorrência dessa.
Todo esse cenário acaba por isolar Ofélia do mundo real. Como consequência, essa começa a viver cada vez mais em um mundo imaginário habitado por criaturas surreais e monstruosas. Dentre esses se encontra o “Fauno”, um ser mitológico metade bode metade humano que tem como principal objetivo servir de guia para a inocente e desprotegida menina para que essa não se perca pelos suntuosos labirintos do mundo. Mas de qual dos mundos Ofélia precisava de proteção?
Vemos que o mundo paralelo que Ofélia paulatinamente mergulha é repleto por estranhas e surreais criaturas que incluem desde um sapo gigante a um ser espantoso que possui longas garras negras e olhos nas palmas das mãos. Entretanto, dentre todas as criaturas bizarras do filme nenhuma se compara ao padrasto de Ofélia. Sim, o mundo real que a garota vive se mostra muito mais sem sentido que o imaginário e o homem que deveria ser seu guia nesse mundo real é na verdade mais um monstro capaz de fazê-la se perder facilmente num labirinto de sangue e crueldade.
Assim, por mais que o filme nos mostre um mundo surreal e bizarro, como aquele imaginado pela garota, esse perde espaço para as bizarrices cometidas no mundo real. A Guerra Civil espanhola deixou um saldo de centenas de milhares de mortos, assim como os demais regimes totalitários que varreram a Europa na metade do século XX. Tais regimes demonstram que nossa realidade pode ser mais surreal que qualquer ficção e que seus Homens são facilmente mais bizarros que qualquer monstro transportado dos contos de fadas mais sombrios.
Por essa razão, o pior monstro para Ofélia não são aqueles que ela encontra em seu mundo imaginário e sim aqueles que ela se depara quando retorna a realidade. O mundo real pode ser fisicamente mais compreensível, mas é mais sombrio e triste para ela que qualquer outro.
Talvez seja por isso que ela prefira o Fauno a seu padrasto. Talvez seja por isso que ela prefira abandonar esse mundo para mergulhar no outro. Nos labirintos daqui é mais fácil de se perder e podem terminar em caminhos mais cruéis, frios e sombrios. Diante de tudo isso, quem poderia julgar Ofélia por querer viver em um mundo que só existia em suas fantasias?