O Corvo de Edgar Allan Poe
Essa semana estava conversando com um amigo sobre livros, textos e preferências poéticas quando ele me surpreendeu ao perguntar se eu já havia lido o poema “The Raven” de Edgar Allan Poe. Isso me fez lembrar automaticamente das minhas aulas de literatura americana e de uma das professoras que tive declamar com amor e afinco parte desse poema, mas me dei conta de que não havia nenhuma outra memória além dessa. Admiti que, apesar de ser formada em Letras, nunca tinha me aventurado a ler esse poema inteiro e meu amigo, espantado e risonho, pediu que o lesse primeiro em inglês e depois em português.
Uma rápida pesquisa na Internet me fez encontrar o poema original, publicado pela primeira vez em 1845. Comecei a lê-lo em voz alta. Essa é uma experiência que eu agora recomendo a todos, quando se tratar de poesia e houver a chance de projetar a própria voz nela, faça-o. Principalmente quando o poema for de Edgar Allan Poe. A cada verso ficava mais impressionada com a cadência imposta pelas rimas internas e externas do poema, seu caráter soturno estampado em cada vírgula. Admito que a dificuldade para ler tudo foi grande, o vocabulário rebuscado que às vezes me confundia e a extensão do poema contribuíram para o desafio ser ainda maior. Quando cheguei a parte em que o corvo se comunica com o eu-lírico: E o corvo disse: “Nunca mais!” (Quoth the Raven, “Nevermore”) meu coração acelerou. Além de ter feito o último verso rimar com os versos finais das estrofes anteriores, o som fechado da letra “o” tornou a fala do corvo bastante sombria.
Ao final, os versos derradeiros do poema me saltaram aos olhos: "No chão espraia a triste sombra; e fora/Daquelas linhas funerais/Que flutuam no chão, a minha alma que chora/Não sai mais, nunca, nunca mais!" (And the lamp-light o’er him streaming throws his shadow on the floor;/And my soul from out that shadow that lies floating on the floor/Shall be lifted—nevermore!). Percebi que essa tinha sido tanto uma experiência literária quanto sensorial, era quase como se eu mesma estivesse estado no quarto com o eu-lírico, dialogando com a personificação da própria morte, enquanto cada vez mais sentia a minha alma ser assolada por incertezas.
Recorri então à tradução feita por Machado de Assis para comparar e ter a confirmação de que a interpretação dele da obra de Poe era parecida com o que eu mesma tinha entendido. Que obra prima o tradutor alcançou! O requinte vocabular, as rimas, a métrica, fantásticas! Algo que me chamou a atenção foi a tradução do termo repetido pelo corvo durante todo o texto (Nevermore) ter sido "Nunca mais". Pelo fato de ter o som aberto de “a” e se tratar de duas palavras ao invés de uma só, como no inglês, o impacto pessimista e melancólico impresso antes no som fechado de “o” se dissipa, dando maior leveza à expressão. Poderia dizer que isso se deve a uma peculiaridade própria das línguas em jogo, de forma alguma descreditando a tradução feita da obra de Poe. Para quem não conhece o poema segue abaixo uma leitura da tradução feita por Machado de Assis (propriedade de domínio público):
Há também a tradução feita por Fernando Pessoa, e segundo a crítica geral, ambas as traduções alcançaram o objetivo principal de manter a ideia original, a métrica, e até mesmo (de formas distintas) organizar um esquema de rimas excelente.
E assim encerrei a minha (longa) leitura de The Raven/O Corvo. Identifiquei o caráter romântico do poema, que apesar de melancólico e obscuro, carrega marcas do Romantismo e mais uma vez pensei: “Poe, você foi um marco. Que toda a sua genialidade e gingado com as palavras um dia recaia sobre nós, pobres escritores mortais, já que você se tornou imortal depois do legado que nos deixou.”
*Imagens retiradas de domínio público.
Links úteis de acesso ao poema (vistos em 24/02/15):
http://www.poetryfoundation.org/poem/178713
http://www.jornaldepoesia.jor.br/poemachado.html