A literatura das mulheres negras: a escrita como ferramenta de resistência e expressão.
A reduzida representatividade feminina no setor literário, entre outros fatores, também está relacionada ao desafio de mulheres se autodeclararem escritoras, somado à posição que o mercado literário lhes atribui. Às negras, esta tarefa é imensamente maior, pelo processo de apagamento dessas mulheres, cujas marcas de raça e gênero que trazem, mostram como representam um diferencial para o cânone literário e para cultura marcada pelo patriarcalismo e etnocentrismo. A presença das mulheres negras na literatura brasileira não escapa ao tratamento marginalizador que, desde as instâncias fundadoras, marca a etnia no processo de construção da nossa sociedade. Evidenciam-se, em sua trajetória no discurso literário nacional, dois posicionamentos: a condição negra como objeto, numa visão distanciada, e o negro como sujeito, numa atitude compromissada. Deste modo, tem-se de um lado, o negro, e de outro, sua literatura.
A representação dos modelos da escrita, definidos desde os séculos passados, caracterizaram principalmente escritores que atendiam a um padrão constituído de homens brancos e burgueses. No estudo das desigualdades raciais, sociais e de gênero, enfrenta-se um duplo desafio, necessário para a leitura do espaço socioeconômico que a mulher negra ocupa na construção histórica do Brasil e no processo de conquista de sua emancipação identitária, pois incide sobre ela uma espécie de dupla discriminação: pertencer à raça negra e ao gênero feminino. Quando representadas por esses escritores, são, majoritariamente, exploradas em temas como sedução, beleza e resistência física, pois as qualidades que são apresentadas sempre estão ligadas ao corpo da mulher, e não a seus pensamentos ou reais desejos. Inovando o jeito de contar a própria história, pretas rompem com estigmas de silenciamento, promovendo excelente ferramenta de reivindicação, pela necessidade de autoras socialmente marginalizadas, dialogarem com o mundo por meio de poesias, livros e arte.
Como afirma Conceição Evaristo, em “Da representação à autoapresentação da mulher negra na Literatura Brasileira”, a representação literária da mulher negra é ainda ancorada nas imagens de seu passado escravo, de corpo-procriação e/ou como corpo-objeto de prazer. Admiráveis escritoras e precursoras dessa literatura, como Conceição Evaristo, Maria Firmina dos Reis e Carolina Maria de Jesus, revelam o quão importante é a soma de esforços para a inclusão das negras, marcadas pela sociedade preconceituosa, masculina e opressora, através da análise de seus escritos e o estudo das heranças escravocratas, que as condenam e marcam. Esses esforços se somam não só na sociedade brasileira, como em outras regiões do mundo onde a diáspora africana se faz presente. A realidade apresenta-se na sub-representação de afrodescendentes na Academia, e com mulheres negras constituindo uma minoria em suas produções intelectuais.
Ao analisar a situação de invisibilidade de escritoras negras na literatura, percebe-se uma negação da legitimidade cultural da mulher como sujeito do discurso, exercendo funções de significação e representação nos contextos literários brasileiros, onde, principalmente em produções anteriores, fica clara a necessidade de inferiorização e dependência imposta às mulheres no contexto social. Assim, adicionalmente à problemática racial como eco da escravidão, conclui-se que as desigualdades de gênero conferem às mulheres, menos oportunidades políticas, educacionais e socioeconômicas de acessarem mecanismos que promovam um desenvolvimento social igualitário. As vozes pretas, subalternalizadas em seus tempos, carregam os ecos da escravidão em seus caminhos e escritas. Dolorosamente.