Da incapacidade de entender a impermanência
Rayana Eos em mimeteses / foto Rafael Vascon
Quão longe estamos e por que andamos tanto até agora? Hoje tudo parece que se resume a cansaço. Até pouco tempo tínhamos tanta disposição. Muitas perguntas que suplicavam respostas. A caminhada foi revelando algumas delas, e mesmo com as paradas e tropeços, as descobertas sempre compensavam. A dureza da estrada sempre foi amenizada pela delicadeza da presença, e o deserto não havia. Olho para frente e tenho dificuldades de enxergar onde pisar, e o medo de cair me paralisa. Atrás de nós as pegadas na areia narram a transitoriedade do tempo. Me diga você quais serão os próximos passos. Embaixo de que pedrinha esquecemos nossos planos?
Imagem extraída do site tornadodefogo.com
O que caiu de nossas mão para olharmos tanto para trás? Me sinto em partes. Mas que tolice! - Partes remetem-se a um todo existente - Não me sinto mais inteiro. Parece que assim como o chão do deserto, sou composto de areia, e não tenho firmeza para fincar-me. Talvez nunca consegui. Mas antes escolhia meus passos. Antes sabia ser errante. Agora estou completamente errado. Talvez nós estamos. Talvez estejamos perdidos. Outrora você me mostrava o norte, mas agora, agora você também não sabe para onde vamos. Nem sei se você quer continuar caminhando.
Foto pertencente ao livro de Angela Lago - Eros e Psiquê
Nem conseguimos enxergar a estrada durante essa tempestade. Tem areia nos meus olhos. Tem areia nos meus olhos? Você consegue me ver? Deixa o tempo melhorar então. Mas já passou tanto tempo... quanto tempo ainda temos? Lembro de ter lido sobre isso, um dia...
“ (...) o tempo, o tempo, esse algoz às vezes suave, às vezes mais terrível, demônio absoluto conferindo qualidade a todas as coisas, é ele ainda hoje e sempre quem decide e por isso a quem me curvo cheio de medo e erguido em suspense me perguntando qual o momento, o momento preciso da transposição? que instante, que instante terrível é esse que marca o salto? que massa de vento, que fundo de espaço concorrem para levar ao limite? o limite em que as coisas já desprovidas de vibração deixam de ser simplesmente vida na corrente do dia a dia para ser vida nos subterrâneos da memória; (...)”
Fico me torturando com essa pergunta agora esperando sua resposta, mas não consigo ouvir. Nada. Não mais. Por favor me fala, ainda temos forças para seguir? Preciso que mate essa minha sede de respostas e me dê uma saída. Só espero atravessar esse deserto mas não consigo sozinho. Não deveríamos ter deixado as mãos desentrelaçarem até ficarem juntas apenas pelos dedos. Isso trouxe o dentro para dentro de nós. Eu apenas quero o aperto de sua mão de volta. Aperta mas me livra desse aperto. Porque estou começando a ouvir o seu maior silêncio. Ou quase. Estamos falando “aos sussurros como que para não despertar lembranças. O que fizemos e continuamos a fazer por medo de romper o ciclo? Quão corajosos éramos na juventude quando não tínhamos medo de perder o controle.”
Foto extraída do site mandlima.blogspot.com
P.S: O resumo do texto é um trecho da música "Quem me leva os meus fantasmas" de Pedro Abrunhosa. A primeira citação no corpo do texto é um trecho do livro Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar; e os últimos versos do texto são palavras traduzidas para português de um poema recitado na série televisiva "Revenge".