Homem Irracional: um exercício filosófico
De uma maneira sensata, acreditamos que o que nos distingue dos animais é a nossa racionalidade. Podemos pensar, e com este artifício, dentre outros benefícios, temos a condição de distinguir o bem do mal. Pois é... possuímos esta condição, mas provavelmente, nem sempre a usemos, ou quem sabe, façamos do seu uso um instrumento de nossos interesses.
Para o filósofo, Immanuel Kant, somos dúbios. Nós, os homens, tanto podemos agir por instinto quanto pela razão. Ao contrário dos animais, somos mais livres. Temos uma liberdade que não é limitada pela ausência do pensamento. Pensamos, logo agimos por prazer ou dever. Somos atos resultantes de nossa ação, ditada por nós mesmos. E, aí reside a possibilidade da moral, simplesmente por sermos livres.
Já para Abe Lucas, um brilhante professor de filosofia, que vive entre o paradoxo do sucesso acadêmico e uma reputação pessoal duvidosa, algo separa as "balelas" filosóficas da realidade: a própria realidade, o mundo real. O fascínio que seus artigos despertam, assim como suas aulas, não condizem com seu comportamento. Abe é alcoolátra, impotente, um potencial suicida, e já não têm razões inspiradoras para continuar sua vida apneica.
Até o dia, que a sensação de querer agir por dever, lhe invade a razão. E, a vontade de viver resnace, irracionalmente, ou não...
Como o ato de ser racional, não só se define pela autoridade do pensamento, mas também pela consciência e ação em prol do que é bom, as motivações poderão por em cheque o caráter, e o que até então poderia ser considerado um dever social, um bem para a humanidade. O professor não apenas ministrará conceitos, viverá, ele mesmo seu próprio dilema filosófico, de acordo com suas convicções.
Quando se refere ao dever, Kant o associa à boa vontade. E, uma boa vontade sempre estará norteada por uma boa intenção. Mas, sobre a intenção moral, só o próprio indivíduo terá conhecimento. O fato concreto consiste na ideia que uma ação poderá ser baseada num dever, porém nem por isso será moralmente boa, pois o valor moral consistirá na intenção, neste caso numa boa intenção.
Em, o Homem Irracional de Woody Allen, conhecemos a intenção de Abe Lucas, ou melhor, achamos que conhecemos. O decadente professor terá agido pela boa intenção de ajudar uma pobre mãe desesperada ou simplesmente pelo desejo egoísta de dar um novo sentido a sua vida? O ar, que lhe fez respirar de novo, foram as mulheres cegamente apaixonadas ou a sensação do dever cumprido ?
Resposta individual. Pois, o filme é de alguma maneira inteligente, um exercício filosófico, uma ode ao pessoal de humanas. Um despertar ao interesse pelos princípios morais kantianos, que certamente ajudará no julgamento pessoal ao protagonista.
A irracionalidade em questão é tão mais complexa, quanto aparenta ser. Digamos que não se defina pelos atos da personagem, pura e simplesmente. É tão subjetiva quanto todas as teorias filosóficas. Cabe a discussão, a reflexão e o interesse pelas ideias. Superficialmente não se julgaria o teor da obra.
Afinal, no que se diz respeito aos aspectos cinematográficos, o filme não recebeu boas críticas, mesmo tendo uma direção consagrada (classificaram Allen como mediano). Mas, ainda assim, merece a visão teórica. Principalmente por ter referências a grandes autores, como Dostoievski, Hannah Arendt, Martin Heidegger e Kant. Foge do acervo dos blockbusters direto para os seletos cults. Recomendado, com boa vontade.