prato do dia
Uma e meia da tarde e Lilith se sentiu presa pelo desespero das horas. Tudo parecia ter paralisado em sua mente e passou a contar cada minuto como se pudesse controlar o tempo.
De repente já não ajustava seu corpo à cadeira rotativa e sua mente fugia para tempos remotos onde ainda era inteira, e não fragmentos de uma mulher.
As memórias vinham voando, delirantes, como em um gozo voador. Não se permitiu mais reprimir sua consciência e as luzes se espalhavam no ambiente seco e vazio.
http://obviousmag.org/imagens_e_palavras/20150424_144513.jpg">
As adversidades existem e Lilith as conhecia tão bem como o prato do dia. Já havia experimentado viver de esmolas, escutar e calar, sorrir e dizer obrigada a pulso. Sua vida a cada fim de ano passava à sua revelia.
Mas, qual seria o prato do dia? Ao entrar no velho restaurante os cheiros eram os mesmos, uma gordura que grudava nas narinas, a voz dos garçons, o barulho das cadeiras entre vozes dissonantes das pessoas. Conhecia aquele pedaço do dia de olhos fechados.
O prato do dia já devia estar morno e o nome era indigesto: Carne Assada com Coradas. Sentiu um repulsa violenta e apesar de seu ticket refeição ser R$20,00 rasgou em picadinhos. Eram quinze anos de prato do dia. Eram pois, mais de sete mil pratos do dia e quase oito e trinta mil dias de sua pouca vida.
Sua mente passou a voar em uma velocidade atípica que lhe conduziu ao escritório vazio.
Lilith juntou alguns pertences na bolsa e numa fração de segundos deixou uma mensagem de demissão: LICENÇA PARA VIVER