"VOCÊS, OS VIVOS"
O segundo filme da trilogia existencial de Roy Anderson (“Vocês, os vivos”) aborda a insatisfação do ser humano com a própria vida. Uma frustração seja por sonhos não realizados, seja pela pobreza e/ou, seja por uma rotina de aprisionamento cotidiano.
Roy Anderson critica uma ideia de felicidade assentada no egoísmo, na falta de afetividade e na falta de capacidade empática. Para ele, a condição humana se torna mais miserável na medida em que não percebemos a efemeridade da vida e ficamos presos às dificuldades vividas, negando a nós mesmos e ao outro o direito de expressar-se sem ser julgado e de desenvolver gestos amáveis.
Para ele, as condições materiais de existência influenciam a capacidade de realização do ser humano, podendo acarretar estados emocionais de cansaço, raiva e exaustão. Mas, apesar de tudo podemos tentar aproveitar os bons momentos quando temos a oportunidade de vivê-los.
Expurgamos na coletividade nossas frustrações, dificuldades relacionais, carências afetivas e mazelas existenciais; E colhemos, como resultado desse expurgo, conflitos cotidianos, que tornam a realidade ainda mais difícil e com sérios prejuízos para nós mesmos, inclusive.
Dentre as várias cenas do filme, uma problematiza a família, configurando esta como um espaço onde inexiste o desenvolvimento de relações autênticas; um lugar de julgamento, desqualificação e culpabilização do outro. O mundo privado não proporciona o afeto desejado, nem uma intimidade efetivamente compartilhada, e nem uma privacidade necessária ao exercício da individualidade de cada um, denotando a ilusão do casamento e do relacionamento amoroso.
O lamento pela vida infeliz cotidiana e a conformidade com a preponderância dos papéis sociais frente ao indivíduo são confrontados com a construção de um lugar onde não há tristeza, dor, fome, etc. Um lugar ideal, ou seja, uma terra prometida, de descanso e de paz eterna, que valoriza mais a realidade após a morte do que a vida presente.
Para Roy Anderson, o ser humano possui a terrível capacidade de criar invenções para destruição de si mesmo, além de buscar a construção de uma imagem valorizada socialmente em detrimento inclusive de relações afetivas. Entretanto, se pararmos para observar a vida enquanto experiência fenomenológica do viver, teremos a oportunidade de apreciar o instante de estarmos vivos e aproveitá-lo da melhor forma possível.
Um filme realista sem deixar de ser poético cujo foco principal não consiste somente em apontar significados destrutivos que conferimos a nossa existência, mas também o que perdemos quando não conseguimos enxergar nada além de nossas próprias frustrações.