Norman, um filme obrigatório
Adormeço com o semblante de Norman e seu olhar atento e curioso. O sono é bem maior do que a querência em manter os olhos discretos e discorrer sobre o que nos move, o desejo. Sem desejo, a vida é vaga e imprópria. Desde o primeiro instante há a ruptura do conforto. O cordão umbilical é cortado, o ato de respirar se torna contínuo e involuntário. A vontade de chorar vem quando a fome aperta, ou a saudade daquele colchão de espumas mornas onde só se ouvia os batimentos cardíacos da mãe ou sua alegria inesperada quando a água calidamente banhava seu corpo. O mundo é cheio de peculiaridades.
O mundo de Norman também não fica atrás. Na faixa de sessenta anos, diverte-se arrumando a vida das pessoas. É um estrategista sem, contudo, se beneficiar de nada, promove com suas ações o bem-estar do sobrinho e das instituições. Com seus olhos ingênuos, oferece um presente para o vice premier de Israel. Passado um tempo o vice torna-se premier.
Norman continua influente. O mundo de Norman consiste em promover contentamento. Continua com sua frase padrão- em que posso te ajudar? Norman parece viver para os outros e em função dos outros. Sua vida não é identificada como sua. A roupa de Norman é a mesma. Ele acorda e dorme com a mesma vestimenta. Ele não tem ninguém. Ele adormece nos bancos da sinagoga, escuta o coral. Acorda em outro lugar do mundo. ]
O primeiro ministro de Israel o reconhece; pede mais um favor. Norman é generoso e promete ajudar.
No trem para o aeroporto ele se abre. Ingênuo, conta o presente que deu para o vice premier de Israel para uma desconhecida. O mundo lá fora não penetra em nenhum momento nos passos e nos ideais de Norman. Com seu mundo próprio ele tenta solucionar os problemas do mundo. É um mediador, um estrategista.
O primeiro ministro é investigado. Norman descobre que o empresário que corrompeu o primeiro ministro de Israel é ele próprio. No mundo de Norman não há enriquecimento ilícito, seu celular é simples e suas roupas também.Nada é ostentado. A ingenuidade de Norman não habita mais o mundo. Ele come castanhas, sabe que terá uma crise e que cairá duro.
Norman, confie em mim, é um filme inesquecível. O personagem é um grande presente para o impecável Richard Gere. Não costumo contar a história dos filmes, mas Norman é tão fascinante que se torna obrigatório entender o personagem. Quem não tem em si um pouco de Norman que de forma ingênua abre o coração e conta aquele segredo, tudo por que gostou da cara e tem uma facilidade danada para amar?
Norman é um incompreendido numa época voltada para aquela visão maniqueísta da corrupção. Aquela palmatória do mundo gigante que se diz sempre reta e incorruptível. Quer corrupção maior do que relatar aquilo que se ouviu? A corrupção sem enriquecimento é corrupção? Todos nós somos corruptos em graus diferentes? Todo mundo tem um preço? O desejo é a alavanca da corrupção?
Ao te ajudar a alcançar o seu desejo eu estou me corrompendo? O filme vale à pena por essa e por outras questões. Richard Gere continua belíssimo mesmo envelhecido e está no auge de sua carreira. Quem assina o longa metragem é Joseph Cedar, em seu primeiro trabalho em língua inglesa.
Eu acordo com a sensação de que Norman está em todas as esquinas. Os rostos são quadros – esboçam uma vida fictícia, onde a ponta está no desejo e o miolo está no vazio. A frustração não é vivida, como se o mundo fosse só de desejos. Não há momento para chorar e para assumir a impossibilidade mesmo que momentânea do objeto almejado. Tudo se compra quando o desejo é o capital, a vida gira em torno da moeda. É rarefeito o ar que se respira. Não há palavra a ser dita que não seja o sim. E todos parecem felizes, sem de fato serem.