Dia Internacional da Mulher: um pouco além do óbvio
Sem glamour. Sem maquiagem. Sem pose. Em estado natural. O instante do clique da carioca Marilda Souza traz um raio-X da realidade, costumes e até mesmo da cruz de ser mulher. Um apanhado de fotos femininas do acervo desta artista – já que comemoramos o dia internacional – é uma amostra de cultura regional, em que a resignação, a austeridade, a fé e a versatilidade das ninfas da atualidade são retratadas em seu habitat. A mágica da coletânea reside no fato de a fotógrafa captar não apenas expressões faciais, mas, principalmente, o entorno, o contexto. E é este contexto que traduz mais fielmente quem são estas mulheres do mundo.
A imagem, na cidade de Mostar, na Bósnia, é representada quase monocromaticamente, remetendo a uma paisagem de fábula, com a ajuda da neblina matinal, que chega a camuflar o passado, representado pelas construções históricas. Enquanto isso, as moças, alheias à muralha secular que lhes serve de assento, se voltam para o futuro, compartilhando tecnologia e cumplicidade. A cor, nesta foto, funciona como foco e destaca as protagonistas.
A tradição das mulheres indianas ganha movimento e ideia de passagem de bastão nesta fotografia, vencedora de menção honrosa da ABAF (Associação Brasileira de Arte Fotográfica), em 2014. A pequena indiana segue levando a tradição sobre seus pesinhos descalços e sujos, seguida, de perto, pela figura materna. As sombras no piso de mármore emprestam calor à cena e os demais elementos arquitetônicos (Taj Mahal, Agra, Índia) garantem a ideia de uma cultura imperativa que, muitas vezes, maltrata essas mesmas mulheres.
Nesta captura em uma praça de Viena (Áustria), a composição sugere a mulher-flor: o cabelo, no tom das folhagens, e a blusa esverdeada não poderiam ser mais providenciais para a harmonia do quadro, no qual os elementos se sobrepõem de forma tão plástica, que fica impossível dizer quem é o personagem central.
Um salto da delicadeza para a aspereza. O cenário cru (rua do distrito de Água Vermelha, São Carlos, SP) remete à severidade de uma vida com poucas possibilidades. A idade não está expressa apenas nos ombros curvados, mas no limo, nas paredes sem pintura, no calçamento rústico, na sugestão implícita de solidão e abandono, como se todos os elementos se solidarizassem com a trabalhadora que, mesmo sem ter sua expressão facial declarada, denota o peso dos anos e do caminho difícil, mas que deve ser seguido. Mesmo porque, há luz depois da sombra.
A própria fotógrafa batizou esta obra de “A pensadora”, em alusão à escultura homônima do francês Auguste Rodin. Quase oculta pela paisagem do interior do canal de Suzhou, na China, a moça parece mesmo ter procurado o anonimato para refletir. Porém, uma certeza sobressai: não provoque. É cor-de-rosa choque.
Carregar cruzes é a sina de muitas mulheres. Nesta imagem, a artista abusou da sensibilidade ao clicar o momento exato em que a moradora parece ocupar o papel que já foi de Outro protagonista, na mesma Via Crucis, na mesma Jerusalém (Israel). A sugestão da foto reporta a uma pagadora de promessas, resignada e de passadas firmes. Ou até mesma da morte que, no inconsciente coletivo, também veste negro e também é feminina.
Marilda Souza se descobriu fotógrafa muito cedo. Mas só pôde revelar esta faceta artística depois da maturidade, quando a aposentadoria e os filhos criados lhe deram a autonomia necessária para se perder em cidades de incontáveis países, movida pela vontade de conhecer povos por suas próprias lentes. O resultado, que podia ser confundido com hobby, cresceu junto com sua busca por aprimorar técnicas e equipamentos. Souza nunca fez um curso formal, mas suas pesquisas pessoais - além da participação em clubes de fotografia no Rio de Janeiro e, mais recentemente, em Araraquara, no interior de São Paulo, sua morada atual - e a troca de experiências com esses grupos, segundo ela própria, contribuíram para o resultado de seu trabalho, reconhecido por prêmios e menções honrosas, como do Salão Jauense Internacional de Arte Fotográfica, do Concurso Fotográfico Intel e do Clube de Arte Fotográfica de Camaçari, entre outros.