Uma história feliz. Sem final
E cada passo era um passo de dança, acompanhando uma música imaginária, cujos acordes vibrantes compunham a trilha sonora perfeita do sonho realizado. O sorriso dela não se desmanchou nem ao chamá-lo, apressando-o com delicadeza. Não podiam perder o 28, o bonde que os levaria ladeira acima pelas colinas lisboetas. Tanto para ver.
O sacolejar do elétrico não impunha nenhum desconforto, era o ritmo pretendido desde sempre. Entrelaçaram os dedos sem palavras. Lá estavam. Mas não era lá. Fosse onde fosse. Estavam. E aquela alegria era quase insuportável.
Saltar do bonde no Bairro Alto, caminhar pelas calçadas de pedras irregulares, rir descontroladamente de uma bobagem qualquer que se avizinhou.
Ela rodopiou como criança em ciranda no mirante que deixava a cidade a seus pés. Ele riu mais uma vez, orgulhoso da menina que morava nela.
Beijaram como se fosse o último beijo, na Rua Garrett, abençoados pela estátua de Fernando Pessoa. Lindos edifícios Art Nouveau. Lindos os olhos molhados de ambos se buscando.
Enquanto exploravam o Castelo de São Jorge, não era nas batalhas que a fortaleza do século 11 assistiu que pensavam. Mas nos romances, nas histórias felizes, mas sem final. Eternas como as muralhas.
Descendo as ruelas de Alfama se esgueiravam pelas calçadas minúsculas, divertindo-se com a proximidade obrigatória. Na escadaria da igreja de Santo Antonio de Lisboa foram surpreendidos pela beata austera, que resmungou impropérios incompreensíveis pontuado pelo sinal da cruz, diante da urgência do casal de turistas: tão apegados. Sem saber ela acertou: aquilo era mesmo divino.
Naquela tarde, a Praça do Comércio, de dimensões exageradas, parecia o mundo. Mesmo mundo que também cabia no espaço do metro quadrado do abraço tardo, motivado por uma saudade tão secular quanto aquele chão antigo. O abraço público. Não por mera exposição, mas pelo direito conquistado.
Os dez quilômetros que separam aquela praça do Monumento aos Descobrimentos encolheram. Falas, risos, beijos, mãos que agora seguiam juntas, atadas como corrente forte e só se desvencilhavam para ultrapassar um ou outro obstáculo e então voltavam a se unir. Na verdade, pensando bem, havia sido assim o tempo todo.
O cenário inspirava, mas o olhar para fora não era tão sedutor como o olhar para dentro. Dali –estava na placa em frente ao Tejo – partiram as caravelas rumo a terras distantes. E ali chegaram eles, com todas as descobertas já feitas. Não era mais preciso navegar. Agora, só era preciso viver.