Não seja aposto para quem é objeto direto na sua oração
Às vezes demora um pouco para nos darmos conta que nosso papel na vida do outro é figuração. Que o diretor vai gritar “gravando”, mesmo se você não estiver em cena. E o filme avança enquanto ficamos ali, com nossa parte do texto decorada com tanto empenho, agora calada na garganta, sufocando.
Descobrir que seu protagonismo existia apenas em uma versão da história é um tapa na cara, nada cenográfico, que te faz acordar num susto. Depois do choque inicial, a gente olha em volta e vai recolhendo as partes amputadas que ainda têm chances de reconstituição. Vamos saindo com esse restinho de nós mesmos, meio envergonhados, sem saber direito para qual câmera olhar, mas com a única certeza de que filme não vai ter remake. Porque não dá para não ser nada na vida de quem representa tudo.
Dói sim.
Dói a ausência, dói a decepção e dói constatar que as lembranças nem são tão lembráveis assim porque a maioria foi criada exclusivamente por você. E dói até a vergonha de ter acreditado que o sujeito era “nós” quando, na verdade, nunca foi além do “eu”.
Quando embarcamos em uma relação, uma das condições é a verdade. E não a verdade da vigilância, do controle. Mas a verdade de quem está ali por vontade própria, de corpo e alma, sem medo de admitir que a oração passou de coordenada para subordinada. Que, a partir de então, a frase “eu sou feliz” exige complemento para fazer sentido.
Quem vive essa verdade nunca perde. Porque pratica o respeito por si e é leal aos próprios princípios. A pior infidelidade é aquela que você comete com você mesmo quando para de viver de acordo com o que acredita. Quando amar é só um verbo da boca pra fora.
E não adianta não concordar com o fim da história. Porque tem filme que é assim mesmo: o final chega tão inesperado e tão triste, que a gente só se dá conta do “the end” quando as luzes do cinema se acendem e somos surpreendidos ainda com as lágrimas descendo.