Um tanto a mais
Tudo começa quando o dia não vai bem, quando o coração não se contenta com os sons que o têm guiado. Ele se fecha e, como uma muralha, blinda qualquer contato mais humano. Está infeliz.
Você discute com os amigos, ignora a fala da mãe, esquece os aventureiros-amigos que estão ao seu lado nos embates da vida. Não se contenta com o que fez, mas não tem mais energia (“energia boa” como em um jogo de videogame), escassa já.
Chega ao trabalho, fala um “bom dia” sem a intensidade de uma pessoa em paz com o que faz e começa o dia embrenhando-se por entre pilhas de afazeres sem nunca chegar ao topo ou mesmo ser capaz de observar o outro lado da montanha.
Sim, a energia de derrotista domina a sua sala. As pessoas são desencorajadas a ficar próximas de você e seu cachorrinho já não consegue lidar com o envoltório tenebroso que caminha junto de ti.
O dia deixa de ter as cores vibrantes. O céu fica um tanto cinza; aqueles que ama perdem a cor e tudo parece sem graça, sem alegria.
A jornada de trabalho oficial chega ao fim, e a sensação de ter corrido loucamente sem sair do lugar leva a um semblante cansado e exausto.
Quem jamais se deparou com um momento assim?
O mais interessante é perceber que um tanto de humanidade sempre nos surpreende, mas dificilmente nos atrevemos a tentar.
Foi com o filme A lista de Schindler e com Ponte dos espiões que um olhar humanizado permitiu atingir corações ainda petrificados. Se é possível fazer o que nos foi pedido e um tanto a mais, por que não permitir fazer uma pessoa mais feliz? Uma melodia a mais para permitir uma dança mais suave e doce que se propaga por entre vários corações, por entre várias gerações. Flores espalhando felicidade por aí.
Nem sempre a vida corre bem, eu sei. Nem sempre o plano A vai pra frente. Nem sempre a chuva chega quando já estamos acolhidos. Porém a alegria deve ser constante. Rir dos próprios tropeços, fazer pequenos presentes com o que nos foi dado. Um tanto a mais sempre é possível e pode ser gratificante.
A fórmula para essa mágica já não sei dizer. Os mestres falam em mansidão; os descolados, “tá sussa”. Talvez seja necessário usar um pouco mais da razão para darmos conta da sensibilidade. Um pouco de contradição, mas tem um certo sentido quando pensamos que ela, a racionalidade, permite fazermos a diferença. Podemos pensar antes de agir, mas rotineiramente somos levados por impulsos.
Ainda somos um tanto pioneiros no quesito humanidade, mas em potencial. Falta o gatilho correto nos instantes necessários. Um exercício contínuo e para toda uma vida.