A arte de se conhecer em outra pessoa
Alegria de gente feliz / Que não pede nada: os mantimentos na despensa / A roda d`água tocada pelas chuvas que chegam de mansinho do ocaso / A reza orada no dia-a-dia / Para aquele povo / nada acontece por acaso.
Estamos presenciando uma tendência terrificante de sermos induzidos a toda força ao consumo, ao materialismo, ao dinheiro acima de todas as coisas, adotar pacificamente aquilo que é de aceitação da maioria e outras inocuidades mais, o que deveras vai empurrando o ser citadino nada humano ao abismo da perpetuação da jactante arrogância e dos sórdidos pensamentos sobre o seu semelhante, o que gera desconfiança absoluta de um sobre o outro. Está é a realidade das cidades com qualquer meia dúzia de desumanos e infelizes, porque não se pôde dizer que isto seja felicidade. Como gado chancelado, fazendo se notar pelo tilintar do cincerro, vão seguindo o cortejo até das palavras e influências.
Depois de doze dias na estrada, sobrevivendo à exaustão física em cima dos pedais, maravilhando meus instintos sem soberbas com os trinados dos pássaros e aves; retumbares de cascatas e despenhadeiros de água; ressabiado com os sibilos de serpentes; estradas de terra a perder de vista; bravios desbravadores que com as mãos arrancavam do solo o alimento para a prole. Em contato com tais desafios, estupidez é pensar que tudo se pôde, tudo se resolve com dinheiro e tudo se conquista através da máquina, como foi implantado no mundo pelos países industrializados, também chamados de Primeiro Mundo. A separação inicia-se naquilo que se aceita e acredita-se sem antes ponderar sobre a constante da mola propulsora. Portanto, se fôssemos povos sábios o bastante, a criticidade seria naturalmente a imunização contra a mesmice cotidiana.
Ultimamente, os japoneses abriram os olhos deles e taparam as vistas das demais nacionalidades e estão impondo o modelo de tecnologia para os sete continentes e a mais nova revolução são os robôs que operam suas quinquilharias de parafusos, articulações mecânicas, centenas de porcas e arruelas lubrificadas com a mais pura graxa, circuitos elétricos operados com botões, descalços e descamisados para servirem de mão de obra nas cozinhas. Tomara que resista a caloria do ambiente, pois caso contrário, a comida terá certos ingredientes, por enquanto indigeríveis pela máquina humana. Quando acontecer o contrário, haja ácidos no estômago para dissolver tantas porcas, parafusos, arruelas e metais pesados dos circuitos eletrônicos; afinal de contas, por mais que revolucionem os costumes, o desengonçado trambolhão de latas será operado pela também, máquina humana.
Logo cedo sob temperatura de 3o C, numa subida que apresentava-me às benevolências do Criador a todo instante, vejo um senhor com seu embornal de lado, botinas nos pés, vestindo um grosso casaco puído, cabeça coberta por um chapéu de palha esfarelado e o bem-estar despreocupado nas faces ressequidas pela exposição às intempéries. Contrário e aversivo aos pele fina e saqueadores das cidades grandes; nutro profunda admiração por esse povo. São jecas, mas são joias fortuitas que não se encontram em qualquer bateia.

Ao notar que diminui a velocidade e direcionei o guidão para o ponto onde estava, apressou-se em levantar e pôs-se a me esperar de pé. Quanta simplicidade e gentileza daquele “Caipira”! Cumprimentamo-nos e sem maiores delongas, disse o que estava fazendo ali, onde morava e como tudo se desenvolvera ao longo dos anos. Via declaradamente em seus olhos fundos o prazer de falar, bem como a leveza de habitar aquele duro pedaço de chão, pois nunca fugira à luta de desbravar a sorte, labutar a terra e dela, retirar os meios de sobrevivência.

Um carro gol parou próximo ao local onde ele encontrava-se. Despediu-se, desejando-me boa viagem e com insistentes: “voltando aqui, não se esqueça de ir à minha casa. É logo ali, depois da curva; é onde as portas e janelas são mantidas ininterruptamente abertas para a entrada inesperada do vento, da chuva, do sol e dos amigos em trânsito. Todos, sem distinção, como não possuem morada, chegam a qualquer hora. Irás passar em frente. Não tem como errar, portanto, não aceito desculpas. Lá tem café no bule, queijo meia cura espetado na ponta da faca e um braseiro vermelho esperando para assá-lo”. Retomei o pedal pensando: “Como tratar mal um coração alegre e palpitante desse”?
No dia em que investirem no passatempo dos desfiles de moda nas passarelas dos hospitais, passo acreditar que os humanos, tornaram-se Humanos; enquanto isto não acontecer e jamais acontecerá, mantenho total credibilidade e admiração apenas no Homem dos cafundós, dos confins de mundo, aquele que não conheceu e não se importa em conhecer a adulteração do homem dito moderno e intelectualizado; afinal, esses são reis que usam as gravatas do poder para estrangular os singelos sorrisos dos súditos.