Como você lida consigo mesmo?
Poucas coisas afetam a todo mundo de forma tão clara. A pandemia atual é uma delas.
Há mais de um ano estamos vivendo como nunca antes, e isso assusta. De repente, a vida virou de uma maneira em que nem o mais pessimista poderia imaginar (eu acho). Mas não quero falar disso, até porque estamos todos meio cansados de tudo isso. Todos nós. Por isso, queria propor que a gente fizesse um breve exercício de pensamento e reflexão:
Quem nós somos desde o ano passado?
Eu não acredito, já tem alguns bons e outros nem tão bons anos, que a gente seja o mesmo de ontem. Talvez nem o mesmo de alguns minutos atrás, se formos pensar um pouco. Nós mudamos tudo: quantidade de cabelo na cabeça, olheiras, roupas, cidade, emprego, amor, saudade e por aí vai. A gente muda até quando não queremos, e isso, como eu mesmo já escrevi tantas vezes, não precisa ser algo ruim, necessariamente. É verdade que mudar assusta, mas, penso, ser o mesmo assusta mais ainda. Repetir os passos, erros e acertos não nos leva a nada, portanto não reclame de mudar, e sim de ser o mesmo.
Tendo isso em vista, pode ser que eu soa repetitivo, já que esse já foi um tema parcialmente debatido nos meus escritos. Mas quero ressaltar a importância de nos olharmos um pouco mais nesse momento tão ímpar. Reveja uma foto qualquer do início de 2020, e compare com hoje em dia. Pode ser assustador ou revelador, no mínimo.
Antes disso, a gente era um, mas agora somos muito mais singulares. Passar tanto tempo com medo, preso, passando fome, desempregados e muitas vezes solitários demais nos faz mal. Sem hipocrisias: a pandemia do Covid-19 não é algo bom; não é a natureza fazendo à limpa ou a seleção natural. Ou pode ser que seja, mas isso soa como algo bom, ou neutro até. E nada disso que passamos é minimente neutro. A maior parte de nós gostaria de estar livre para sair na rua o quanto antes, seja pra tomar ar, abraçar alguém querido ou só não precisar ver as mesmas paredes de sempre dentro de casa.
Mas a gente muda, como já falei. Mudamos nossa forma de conviver com aquilo que, fatalmente, não temos como nos livrar tão cedo: nós mesmos. A gente, antes, nem devia se dar tanta conta do mal que fazíamos aos nossos corpos, física e espiritualmente (para quem acredita). Agora, pagamos, em parte, o preço; conviver com nossos dilemas diários é um desafio pra lá de complicado, e muitas vezes pode nos deixar loucos. O trabalho, academia, escola, faculdade, saída com amigos ou parceiros amorosos nos fazem esquecer dos problemas.
Não é pra isso soar escapista: você não está com seu companheiro ou companheira pra tapar algum buraco ou aliviar o estresse diário. Ao menos, não deveria. O que quero dizer é que quando somos obrigados a conviver, principalmente, com a gente, e só, não temos pra onde correr. Não podemos reclamar da gente pra nossa mãe, porque somos nós mesmos o inimigo. Não dá pra se queixar pro amigo ao lado que nos odiamos, pois a quem ele atacaria ou ajudaria? A gente, quando é obrigado a lidar conosco, pira. E isso é normal, acreditem.
O que penso disso? Penso que a gente acaba se odiando tanto que nos esquecemos, nos negamos e negligenciamos. Preferimos outrem à ficar sozinhos com nós mesmos. Porque nossos problemas sempre serão maiores, pelo simples motivo de que ninguém vai sentir nossa dor, só a gente. Não vamos nunca entender a dor de uma pessoa ao lado, nem que seja nosso filho, pois só ele sabe o quanto dói. Seja lá o que for.
E quando estamos sozinhos pra lidar com essa dor do tamanho do universo? O que fazer?
Difícil de dar uma resposta, é o que eu penso. Mas ainda assim, vale a pena refletir sobre. Tentar entender quem somos, nosso lugar no isolamento social e em como chegamos a esse estado de dor e lamentação que constantemente temos de lidar. Não é fácil se conhecer melhor, muito menos ser obrigado a isso. Mas é uma obrigação nossa lutar contra isso, contra a falta de vontade de olhar no espelho e ver bem além dos olhos, nariz e boca, do resto do corpo. Você não pode fugir de si mesmo, e isso jamais deveria ser uma dor, e apenas uma condição natural, como respirar e comer. Portanto, vá até você, e não tente se afastar.
Se conheça, antes que você acabe se perdendo em si mesmo. Aí, já pode ser meio tarde de mais.
Boa sorte.
Abraços.