O povo brasileiro – Livro clássico do antropólogo Darcy Ribeiro
Desde os primeiros anos escolares, aprendemos que o Brasil foi formado a partir da convivência harmoniosa entre três povos: o indígena (nativo da terra), o branco (colonizador europeu) e o negro (africano escravizado).
Essa linha de pensamento foi corroborada a partir dos primeiros estudos sociológicos no país, com destaque para a obra de Gilberto Freyre, sobretudo seu livro clássico Casa-Grande & Senzala, responsável por difundir o chamado “mito da democracia racial”, que parte do pressuposto de que, no Brasil, por não ter havido leis que legitimavam a segregação racial (como nos Estados Unidos e África do Sul), os negros teriam sido assimilados na sociedade sem maiores contratempos .
Em contrapartida, na segunda metade do século XX, surgiu uma geração de intelectuais que começou a contestar o “mito da democracia racial”. Entre esses pensadores estava Darcy Ribeiro, autor do livro O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, lançado em 1995, considerado um dos principais ensaios na área de Ciências Sociais em nosso país .
Assim como nas outras obras que se propõem a estudar a formação do povo brasileiro; Darcy Ribeiro, em seu livro, também apresenta os principais tipos humanos presentes em nosso país. No entanto, ao contrário de outros estudos, meramente descritos e laudatórios, Ribeiro analisa criticamente a formação do brasileiro; destacando, sobretudo, as relações desiguais entre brancos, negros e indígenas (marcadas pelo domínio político, econômico e cultural do primeiro sobre os dois últimos).
O termo genérico “indígena” é utilizado para qualificar as populações que já habitavam o território onde hoje é o Brasil, antes da chegada dos europeus. Apesar da grande diversidade cultural, essas populações apresentavam algumas características em comum, como a relação relativamente harmônica com o meio natural, a divisão do trabalho entre gêneros e a guerra como importante fator de identidade social.
Já o invasor branco (e não “descobridor”, conforme conta a “historiografia oficial”) chegou ao território onde hoje é o Brasil no contexto de expansão ultramarina portuguesa, em busca de novas fontes de matéria-prima e riquezas. Impôs, por meio de diferentes tipos de violência, à nativos e africanos escravizados, sua língua, costumes e organização social.
Por seu turno, o elemento negro, apesar de todas as vicissitudes enfrentadas, representa o que há de mais vigoroso, criativo e belo na cultura popular brasileira.
Outra questão contemplada no livro diz respeito aos antagonismos entre as classes sociais no Brasil; que, sob o comando “natural” das classes dominantes, engloba e organiza todo o povo, operando como uma espécie de sistema autoperpetuante da ordem social vigente, que, desde o período colonial, é marcada por pouca mobilidade social.
No topo da hierarquia social, estão os setores privilegiados, formados pelo patronato de empresários (cujo poder está ligado à condição econômica); o patriarcado (que ocupa posições marcadas pelos privilégios sociais) e o estamento gerencial das empresas estrangeiras.
Abaixo dos setores privilegiados, aparecem as classes intermediárias, formadas, basicamente, por profissionais liberais bem-remunerados e socialmente respeitados, indivíduos potencialmente propensos a prestar homenagem às classes dominantes (procurando tirar disso alguma vantagem).
Em sequência, estão as classes subalternas, representadas pela aristocracia operária, pequenos proprietários, arrendatários e gerentes de grandes propriedades rurais, entre outros. Por fim, ocupando as posições mais baixas da hierarquia social, a grande massa das classes oprimidas dos chamados “marginais”, principalmente negros e mulatos, moradores das favelas e periferias.
Apesar de sua natureza inorgânica (permeada de antagonismos) e do baixo grau de instrução (um projeto intencional das elites, diga-se de passagem), a grande massa oprimida é, de acordo com Darcy Ribeiro, o único setor capaz de realizar a ruptura com a ordem social excludente.
No que diz respeito às disparidades regionais no Brasil, o livro O Povo Brasileiro aponta que, em locais onde predominou a grande propriedade rural, as distâncias entre ricos e pobres é maior. Em contrapartida, as áreas marcadas por melhor distribuição de terras foram responsáveis pelo surgimento de organizações sociais mais equilibradas.
Para Darcy Ribeiro, o Brasil só poderá ser considerado uma democracia de fato se for superado o arraigado “preconceito de classes”, quando as classes baixas não forem mais oprimidas, tendo assim acesso à uma verdadeira cidadania livre. Ou seja, quando a ordem social herdada do período escravocrata realmente for rompida.
Em suma, as diferentes facetas da democracia no Brasil, requerem, inexoravelmente, que haja também a chamada “democracia social”. Caso contrário, o país seguirá bastante distante de formar uma nação desenvolvida.
Diferentemente de outros autores – como Nina Rodrigues, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Silvio Romero e Oliveira Vianna – que concebiam negativamente os elementos humanos que formaram o povo brasileiro; Darcy Ribeiro, por sua vez, entende o Brasil como destinado a criar uma esplêndida civilização mestiça e tropical, sofrida, porém alegre, e assentada na mais bela província da Terra.
O contato com a presente obra suscita diferentes reações. Traz um sentimento de revolta, pelo fato de demonstrar claramente como a sociedade brasileira foi fundada, sob as violências física e simbólica de brancos contra negros e indígenas e, por outro lado, temos a esperança de que os estratos menos favorecidos possam vir a tomar consciência do sistema de exploração ao qual são submetidos e, assim, possam se engajar para reverter essa situação adversa.
O livro O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil possui uma linguagem clara e acessível, porém sem perder o rigor inerente à uma análise científica.
Leitura indicada não apenas para especialistas em Ciências Sociais, História, ou áreas afins, mas a todos aqueles que buscam entender melhor o que foi, e o que é, o Brasil.