Bocas mudas Mentes amarradas Corações amordaçados
Descia a avenida, quando ao longe avistei um enorme aglomerado de gente. Uma multidão, termo comummente utilizado. Tão comum quanto aqueles que dela faziam parte. Silenciosos. Estranhos entre eles – desconfio que estranhos a eles próprios também. Olhavam-se e entreolhavam-se, mas nada diziam – os que se olhavam, a maioria baixava a cabeça naquele ato já banalizado de quem ignora os restantes. Esses olhavam para baixo. Para o umbigo, talvez. Na pior das hipóteses já haviam desistido da vida e, apenas existindo, olhavam para o chão.
Observava-os. Também eu calada, receando quebrar o silêncio daquela marcha muda de gente. Na verdade, nem sabia o que lhes poderia dizer. Pareciam alienados, cada um no seu mundo aparte dos restantes. Embora lado a lado. Nada mais ouviam senão os seus próprios “Eu”. Pensamentos negativos, egos obesos, medos e problemas – vim a perceber mais tarde.
Ninguém ouvia sonhos, ambições, desejos, a força do querer, a voz da alegria e o nome da felicidade. Espantem-se agora, assim eu me espantei, ninguém conseguia ouvir o seu próprio bater do coração. Nas suas mentes ecoava somente o “eu”, “eu”, “eu”, de tal forma alto que ensurdeceram para o mundo. No meio de tanta gente, aquele silêncio começava a tornar-se incómodo. Ninguém dizia nada a ninguém, no entanto mantinham-se juntos. Ninguém se afastava.
“Menina faça silêncio” – sussurrou-me alguém. “O seu coração bate muito alto, desconcentra-me.”
“Que raio de observação a sua, olhe que essa agora de dizer que o meu coração bate muito alto. O seu é que sofre amordaçado. O meu coração bate ao volume que tiver que bater e ao compasso que eu me apetecer que ele bata. Era o que mais faltava mandá-lo calar. E digo-lhe mais, se todos os corações tivessem a liberdade de se fazer ouvir, tal como eu permito ao meu que faça, imagine que bonita seria a melodia que se faria ouvir aqui!!! Mas vocês preferem o barulho ensurdecedor dos vossos egos e de tudo quanto há de negativo em vós. “
Segui adiante certa de que toda aquela gente, durante as suas vidas, haveria abafado a voz dos seus corações, com palavras que nada mais teriam sido do que a voz do medo de estarem sozinhas. E ali estavam elas, juntas mas caladas, sendo o silêncio e o medo da solidão, o seu único elo de ligação.
Assim vai o mundo.
Bate coração, bate.