As Fomes da Guerra Colonial
Comia-se mal e passava-se fome. Muita fome. A desorganização que se vivia e a falta de meios aéreos ditavam que não fossemos abastecidos corretamente. Existia, porém, algum apoio logístico a nível alimentar, mas apenas quando nos encontrávamos junto às viaturas. Se tal não acontecia, a nossa alimentação era baseada em ração de combate. Duas latas de atum e sardinha e um pacote de bolachas de água e sal, já com bolor. À exceção de um ou outro cabrito roubado, abatido e assado por nós, ou de meia dúzia de papagaios que por ali se matavam.
Alturas houve em que a escassez alimentar tomou proporções tais, que passámos a alimentar-nos de mandioca crua, do pouco que conseguíamos roubar nas povoações e daquilo que nos era dado a troco de favores que iam desde os curativos aos sexuais.
Nesta altura éramos já - e apenas só - animais do mato regidos por instintos, em busca da satisfação das necessidades mais básicas e primárias do homem. Não me orgulho João Pedro, não me orgulho de perder a racionalidade e permitir que o desejo carnal se transformasse em algo tão básico como apenas fome de carne, que saciei em vários corpos diferentes. Não sei quantos filhos deixei. Nem se os cheguei a fazer. Um homem quando age assim não é digno do milagre da vida.
Corpos. Eram apenas corpos. Tanto os que caiam em combate e que jaziam e apodreciam ao nosso lado, como os outros. Os delas. As que nos serviam o pecado tição. Exceção feita à delícia do beijo da poesia negra – Shaira. Recordo os seus lábios carnudos nos meus, num beijo que começava terno, calmo e molhado, mas que depressa me dominava e possuía. Entranhava-se em mim. Pedindo-me que me entranhasse nela. Que entrasse nela e me demorasse. Não teria mais do que os seus dezassete anos e as proporções poeticamente exactas, num corpo que me pedia para ser lido e sentido ali mesmo, no intervalo preciso entre a hora da morte e o exato segundo onde o meu coração começava.