gosta das palavras - escritas e faladas -, da escuta, café e sempre está em busca. de vez em quando descobre do quê. picada pelo bicho da psicanálise, é incurável no que diz respeito à análise não-óbvia das coisas, do mundo e das pessoas.
É difícil enxergar o outro como um igual, lançado na mesma tarefa de continuar vivendo, quando não me vejo como parte do processo. Ordem e progresso. Progridam, caminhando sempre destinados a vencer na vida. Quem vence?
De tempos em tempos, algumas pessoas passam por períodos em que perdem a esperança na humanidade. Essas pessoas dizem "olha, estou muito decepcionado, a ponto de desistir"; "essas coisas me fazem questionar a evolução do ser humano"; "tudo isso ...
A vida é curta demais para gastar tempo e energia montando esquemas neuróticos que nos afastam daquilo que diz respeito a uma verdade, que diz respeito ao desejo. A vida é curta demais para não reclamar do suco que veio com açúcar, mas também é grande demais para reclamar por qualquer coisa. Achar a medida certa é o andar na corda bamba dos aprendizados.
A gente, esse poço de inconstâncias, dores, alegrias, mal entendidos.
A gente quer bolo de chocolate e come bolo de chocolate, a gente quer abraçar, vai e abraça. E aí sente aquela sensaçãozinha boa em estar vivo, a brisa fresca da tarde bate no rosto e... Na mesma medida, a gente odeia ir à academia mas vai, não simpatiza com aquele parente mas deseja um ano novo maravilhoso, faz promessa e não cumpre, come sete uvas, faz yoga e no dia seguinte tem vontade de cuspir na humanidade inteira. Isso significa que viver não é bom? Não. Significa que é? Também não. Porque viver é bom e não é, viver é tudo isso, ser humano é tudo isso.
Depois de um tempo, percebo que os momentos de angústia são necessários para que se chegue a algum lugar. Perder-se é extremamente necessário para que se possa encontrar. Quem se acha demais talvez fuja do abismo. Quem é bem resolvido demais talvez se defenda de olhar para os próprios medos. Porque dá medo olhar para os próprios monstros. Eles são horríveis, e têm exatamente a nossa cara.
Tudo o que tenho coube em uma mala, e por isso consigo partir de repente. Carrego os pesos mais leves do mundo. Ter uma bagagem leve pode parecer contradição, mas é "só" estória costurada, que agora tem o tamanho exato do que cabe a mim.
Em tempos em que precisamos (ou acreditamos precisar) carregar um monte de tralha, a simples ideia de esvaziar a "bolsa interna" se torna complexa e dolorida. Por que a simplicidade é uma conquista tão difícil?
Boyhood é um filme para olhos sensíveis. Boyhood é um filme sobre despertar. É sobre a batalha de permanecer vivo e continuar amadurecendo; é sobre continuar “apesar de”.
Uma vez escutei de um professor que quando o bolor atinge um pedaço do pão, não adianta jogar apenas aquele pedaço fora, porque o pão inteiro está embolorado. É preciso olhar em volta, para o ambiente em que o bolor foi criado: está úmido demais? quente demais? E o que fazer com aquele pedaço que, mesmo depois de retirado o bolor, não nos mata a fome? Assim também é na vida. O que vamos fazer com aquele pedaço que não está satisfeito? Há quanto tempo não levamos nossos projetos, pirações e desejos engavetados pra tomar um vento na cara? É preciso parar e abrir as janelas das possibilidades, "porque pão é igual gente: se não respira, endurece".
Em algum momento, introjetamos mal máximas como “Tristeza não tem fim, felicidade sim” e “A felicidade não é deste mundo”, e nos privamos de tudo que nos arranca a dor. Parece que a alegria dispara algum mecanismo de luta-e-fuga, que, instintivamente, faz todo nosso sangue ser enviado às pernas: tudo o que queremos fazer é sair correndo.
São as transições que complicam tudo, este período entre duas coisas relativamente estáveis. O período que pode ser definido como “ainda-não”. As semanas seguintes que se seguem às perdas: do ser amado, do emprego, do amigo que foi morar na Europa. Por isso é no entardecer que as pessoas relatam sentir as piores angústias, crises de pânico e ataques de ansiedade. Porque o entardecer é a expressão literal da transição: é o quase-noite e ainda-dia. Temos de suportá-lo, diariamente.
Se não deixarmos espaço vazio entre a dúvida e o passo, o desejo não surge; porque ele nasce justamente de onde falta. É uma questão de física (que, aliás, se eu pude entender, qualquer um pode).
Há um tempo eu penso sobre palavras que não são ditas, mas o filme "Que horas ela volta?" me deu imagens de sobra para fechar (e abrir) algumas reflexões. O que acontece com as palavras que não dizemos? E com as que nunca dissemos?