Notas sobre Tatuagem (2013, Hilton Lacerda)
Tatuagem (2013), premiado nos festivais de Gramado e do Rio, registra a primeira incursão de Hilton Lacerda no universo da ficção cinematográfica. Mais conhecido pelo seu trabalho como roteirista em Amarelo Manga (2002, Cláudio Assis), Filmefobia (2008, Kiko Goifman), Febre do Rato (2011, Cláudio Assis), entre outros, Lacerda traz à tela como diretor caracterizações dionisíacas possíveis ao cinema contemporâneo, com uma obra para lá de atual.
Já o trailer dá bem as dimensões do que está por vir e do encantamento da história em cores exuberantes:
O filme se passa entre 1978 e inícios de 1979, portanto num período da história recente do Brasil quando o esgotamento político da ditadura militar já se fazia visível. Entretanto, as reflexões e os confrontos ao longo do filme são enfrentados do ponto de vista daqueles que estão à margem, a partir dos trabalhos criados sob a liderança de Clécio Wanderley (Irandhir Santos) pela trupe Chão de Estrelas, num teatro/cabaré localizado na periferia de Recife, capital de Pernambuco.
Como pode-se ouvir da boca do protagonista em certo momento, "a nossa arma é o deboche". Isso porque o grupo de artistas, acompanhado de intelectuais e do público, em sua maioria, de homossexuais, com suas apresentações e intervenções públicas busca subverter qualquer forma de poder e de moral estabelecida. Em suma, trata-se de resistência política a partir do deboche. É a transformação de tudo num carnaval subversivo a qualquer ordem. Os militares vão à loucura!
Mas o ponto nodal da urdidura fílmica gira justamente em torno das relações entre Clécio - de repente apaixonado por um jovem soldado cujo apelido é Fininha (Jesuíta Barbosa) - e sua companheira afetiva e nas artes, Paulete (Rodrigo Garcia). Este parece ser o ponto principal de reviravolta narrativa: no fundo, o relacionamento de súbito e ardente entre Clécio e Fininha literalmente desnuda não só a poética, mas a estética da obra, e toda e qualquer ética mostrando a que veio o filme de Hilton Lacerda. A aproximação das duas personagens, em meio a sentimentos e circunstâncias complexos (além de muitas cenas de sexo elenco afora) que envolvem também Paulete, traz uma marca que, como tatuagem, é signo com o qual nos identificamos, de difícil dissolução.
Tatuagem, como se diz, dá uma sambada na cara de falsos moralistas. É um filme para os Bolsonaros e Felicianos assistirem depois de um almoço em família num domingo qualquer, para ajudar na digestão. E além do mais conta com a melhor trilha sonora possível, como ao embalo final de Polka do Cu (Dj Dolores):