Você já calou hoje?
Em priscos tempos, os antigos místicos acreditavam que as letras sagradas eram tão poderosas que poderiam causar mudanças na vida do sujeito, bastando para isso apenas a meditação. O porquê disso tudo estava diretamente ligado ao suposto poder que as letras tinham de encerrar um universo infinito dentro de si próprias.
Um sonho de infância, o plano de uma viagem, o desejo de comprar um carro, de encontrar um amor, de voltar a falar com alguém querido. Muitas vezes somos incapazes de segurar a informação. Talvez isso ocorra na esteira de um estado de euforia incontrolável, ou simplesmente porque o nosso ser inocente, criança, deseja compartilhar a alegria e a esperança com o outro. E é aí que os problemas – e mais tarde as frustrações – começam. Simplesmente pela razão de não dominarmos uma capacidade admirável conquistada por algumas pessoas: o saber calar.
Não que o outro vá nos rogar pragas ou lançar mau olhado contra os nossos planos. Acontece é que os nossos desejos mais íntimos precisam de tempo. Tempo dentro de nós mesmos para se tornar significativos e então estarem prontos para sair do uterino mundo do sonho e ganhar forma na vida real.
Quem cala guarda as palavras dentro de si e elas, como ingredientes conservados no interior de um recipiente, transformam-se com o passar dos dias. O interessante disso tudo é que este processo se parece muito com a arte de cozinhar: em muitas receitas, a tampa da panela necessita estar fechada. O arroz e o feijão não amolecem se você não respeitar o tempo de cozimento. E assim funciona com os nossos sonhos mais íntimos. Os sonhos que muitas vezes verbalizamos precocemente e em poucas horas se esmaecem no infinito mundo das palavras ditas. Das palavras que correm para longe da gente sem que possamos ter qualquer tipo de controle sobre elas, que se esvaem na velocidade do tempo ou quiçá da luz.
Tempo.
Não há mágica. O corpo é como um enorme frasco e as palavras não-ditas são as substancias que guardamos nele. Depois que fechamos a tampa é que o processo começa. A substância “A” vai se misturar com o ingrediente “B” e, após algumas horas em contato, ambos já não existirão, pois a fusão deles resultará em outra coisa. Quando me refiro a “palavras” na verdade estou falando é dos nossos desejos, dos nossos anseios, de nós mesmos projetados em um universo perfeito ancorado na (não muito fácil) vida que vivemos dia após dia.
Quando você aprender a calar vai se conectar consigo próprio. E essa é a parte mais importante. Não podemos dominar o mundo sem que façamos isso com nós mesmos antes. Saber calar não significa omitir(-se), muito menos guardar ou matar no peito o sofrimento. Pelo contrário. Significa saber a hora certa de externar, de compartilhar o que já não pode mais ser mudado porque já foi consagrado no maravilhoso cosmo da vontade própria. Quando isso acontecer, como professaria um velho conhecido, o sucesso será a única possibilidade e nada nem ninguém poderá apagar o traço pacientemente desenhado por nós mesmos na tela da vida .