Será que seremos inteiros de novo?
Aqui em casa quase não pega sol e isso me fez observar como a luz se comporta nos últimos dias. No início da manhã bate um pouco na cozinha, dá pra bronzear um pé. Pelo meio-dia, na lavanderia, dá pra esticar uma perna inteira, de tarde, no quarto, a cabeça, e no fim do dia, se alongar bem os braços ficam iluminados na sala.
E assim a gente aprende a observar aquelas coisas que antes pareciam insignificantes. Antes. Antes é aquela outra vida, antes é aquele outro eu, aquela outra forma de existir. Aquele eu que passava grande parte dos dias fora de casa, aquele eu que nunca tinha se importado muito com isso: onde o sol bate.
O mesmo eu que tinha sempre tanta coisa pra fazer, e que continua tendo, mas, parada, imóvel, parece que essas “tantas coisas pra fazer” perderam o sentido: quem sou eu sem o outro? Em casa, me divido buscando o sol, é quase como aprender uma coreografia, pois ela tem ritmo e tom próprios e que, dia após dia, não só eu mas também o mundo, está aprendendo a bailar: são os passos, por vezes macabros, de uma dança que virou a vida do avesso.
E quando vejo o sol batendo em cantos tão aleatórios da casa e banhando partes tão aleatórias do meu corpo, isso me faz pensar que, nesses últimos dias, a gente anda dividido: uma parte vivendo o aqui e o agora, e a outra olhando com saudade o que já passou e com angústia o que está por vir. E enquanto o dia cai, igual a todos os últimos dias - o hoje, agora ontem; o ontem, agora hoje -, me pergunto: será que seremos inteiros de novo?
J.P.C